Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

Wandi Doratiotto: ‘Adoniran Barbosa é a metonímia do que acredito que é o Brasil’

O artista conduziu recentemente o show de lançamento de um álbum gravado ao vivo pelo eterno compositor paulista, falecido em 1982

Foto: Divulgação

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Wandi Doratiotto foi um dos participantes ativos do movimento Vanguarda Paulista, integrando o grupo Premeditando o Breque, também chamado de Premê. Naquela mesma época, Adoniran Barbosa vivia o seu reconhecimento como artista popular e tinha a admiração de muitos – inclusive de Wandi.

“Adoniran Barbosa é a metonímia do que acredito que é o Brasil. Aquele fragmento que tem um sujeito com uma voz lírica, profunda, junto às camadas mais populares da população pobre, que formou todo o início da nossa cidade (São Paulo) e, por extensão, o Brasil”, afirma o músico do Premê, que ficou bastante conhecido como apresentador de um dos programas mais importantes de música do País, o Bem Brasil, da TV Cultura.

Dias atrás, foi lançado pelo Selo Sesc um registro histórico de Adoniran Barbosa em um show no Sesc Consolação, na capital paulista, em 20 de janeiro de 1980. O lançamento integra o projeto Relicário e a gravação, transformada em álbum, está disponível nas plataformas digitais de música. No repertório de 11 faixas, clássicos como Saudosa Maloca, Samba do Arnesto e Trem das Onze.

Wandi e Marisa Orth, acompanhados de uma banda, lançaram em 12 de dezembro, no Sesc 14 Bis, em São Paulo, esse álbum de Adoniran.

“Nesse show do Adoniran, ele estava muito alegre. Ele faleceu em 1982. Então, ele estava maduro, já tinha feito tudo na vida e estava feliz nesse dia. Quem ouvir o disco vai sacar que ele estava em paz com Deus, conversando engraçado com a plateia, com aquela voz rouca devido à cachaça e ao cigarro – que é um emblema de uma parcela da população que precisa usar essas maquiagens para aguentar o tranco”, diz Wandi Doratiotto.

“O cara representava por demais essa turma que forma o Brasil. O Brasil é formado de baixo para cima, e essa gente é que formou tudo. É um registro monumental.”


De fato, o álbum é emblemático e mostra Adoniran em sua essência, brincalhão e com muita empatia. Wandi lembra que um jornalista chegou a dizer que o Premê era um Adoniran “hendrixzado”, uma mistura de irreverência com a apuração musical de Jimi Hendrix.

No Vanguarda Paulista, no início dos anos 1980, o Premê se destacou ao lado de Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Língua de Trapo, Grupo Rumo, entre outros.

“É isso que o Brasil tem de melhor. Essa fusão de coisas inusitadas, improváveis. Esse país com essas possibilidades e com esses problemas imensos. Era um liquidificador onde tudo combinava”, conta ele sobre o movimento que ajudou a criar.

“Não ache que cultivar o passado é ser passadista. Ninguém parte do zero. Mas quanto mais você conhecer história, melhor pode-se construir uma base para saltar e fazer a vanguarda, uma coisa nova.

O músico conta que os membros do Premê “eram muito intuitivos, mas tocávamos normal, não tinha gênio”. Segundo ele, a ideia era a desconstrução da técnica para construir algo novo.

Para Wandi Doratiotto, o não surgimento nos últimos anos de um movimento musical inovador como o Vanguarda Paulista – e outros no final dos anos 1960 até a década de 1990 – se deve à horizontalização dos talentos.

“Veio uma massa de gente volumosa facilitada pela internet. Ninguém vira artista bom por causa da internet, mas é uma ferramenta que amplifica o sinal. Essa horizontalização permitiu que as pessoas fizessem dentro de sua casa o seu trabalho com o computador, o que antes não era possível. O acúmulo de informação por um dedo ampliou os horizontes de quem cria, mas diluiu a possibilidade de fazer um movimento”, explica.

Ele ressalta que, no passado, um ou dois se reuniam e conseguiam construir algo mais denso. Wandi identifica também uma certa escassez de talentos atualmente.

Assista à entrevista de Wandi Doratiotto a CartaCapital:

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