Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

Augusto Diniz | Música brasileira

Walter Firmo: ‘Fiz um arquivo fantástico de uma sociedade invisível, que era negra’

Com imagens que vão de Pixinguinha a Paulinho da Viola, o fotógrafo revela ter conquistado a intimidade dos músicos por compartilhar a mesma etnia

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Foi dentro dos muros cinzas de um quartel que começou a relação entre Walter Firmo e a fotografia do samba. Nos anos 50, ele dividiu o rigor da vida militar com Sérgio Cabral, o pai, que viria a se tornar jornalista e escritor. O ofício das câmeras, já um sussurro no coração de Firmo, encontrou eco naquela amizade e mais tarde, na cumplicidade do compositor Hermínio Bello de Carvalho.

“Quando entrei como fotógrafo na vida deles, os dois me levaram para essa familiaridade negra do samba”, conta Firmo em entrevista a CartaCapitalDesde os tempos de audacioso adolescente no Clube do Guri, sua voz já se misturava às ondas da Rádio Tupi, mas foi nos bastidores, através de suas lentes, que Firmo encontrou seu verdadeiro palco.

A lista de ícones da música brasileira que Walter Firmo fotografou inclui Pixinguinha, Dona Ivone Lara, Cartola, Ismael Silva, Clementina de Jesus, Djavan, Paulinho da Viola, Jamelão, Martinho da Vila, Milton Nascimento, entre muitos outros. 

“Essas pessoas me colocavam na família deles e penso que tenha sido pela cor também. Sou negro. Nenhum deles contestava”, conta. “Foi assim que entrei na questão de fotografar os músicos.”

Alguns registros se tornaram a representação máxima do artista. Foi o caso de Pixinguinha, fotografado numa cadeira de balanço no quintal de sua casa.

O tema afro-brasileiro passou a fazer parte definitivamente na sua vida quando em 1968, em Nova York, trabalhando para a revista Manchete, foi comunicado pela sucursal do veículo da cidade da chegada de um fax (equipamento de transferência de documento através de rede de telefonia), que o tratava de “mal profissional” e “analfabeto”, além de expressar racismo.

“O fax foi enviado do Rio por um fotógrafo chateado, que queria estar no meu lugar, porque achava que o ‘neguinho de Irajá’ (bairro onde nasceu na Zona Norte do Rio) tinha passado a perna nele”, diz. As palavras do colega atingiram em cheio a sua alma.

Ele relata que quando voltou para o Brasil, revoltado, deixou seu cabelo crescer, como ditava o movimento negro americano em evidência na época, o Black is Beautiful. A partir desse incidente, passou a politizar seu trabalho.

“Não caí de paraquedas. Sentia que havia uma sociedade de negros no Brasil que estava submersa. Uma sociedade, indiscutivelmente e de forma absurda, escondida. Mesmo ainda sem muita forma intuitiva, mas com a minha visão estética, comecei a fotografar todos eles”, diz. 

O carnaval, o maracatu, o bumba meu boi, entre outros festejos com forte influência negra, também atraíram Walter Firmo. 

“Tinha um baita tesão pela causa. Eu ia a essas festas populares de ônibus, de passagem aérea comprada a perder de vista”, lembra. O fotógrafo também registrou esses acontecimentos a pedido de revistas e jornais para os quais trabalhou. 

“Fiz um arquivo fantástico de uma sociedade invisível, que era a sociedade negra. Eles eram meus ídolos. Tudo isso me fascinava”, afirma. 

“Uma vez falei para minha mãe, de pele branca, que se amanhã tivesse uma atitude hostil no Brasil entre negros e brancos, ficaria do lado do meu pai, que era negro”.

Em meio ao acervo exuberante que construiu de imagens do povo brasileiro, tornando-se um dos fotógrafos mais importantes do país, ele conta que a sedimentação de seu trabalho “passa exatamente por uma subordinação de querer consagrar pessoas de boa índole, trabalhadores que fizeram esse país”. 

Walter Firmo diz que hoje fotografa pelo seu celular sem qualquer problema. “Uso sem pudor. O que interessa é a imagem, o prazer, a descoberta através da linguagem muda do que você quer dizer”, argumenta.

“Que história é essa também de dizer que fotografia tem que ser só pelas máquinas usuais e caras. Não. Todo mundo hoje de certa forma é fotógrafo”.

Dono de equipamentos fotográficos caros, o uso de celular também é providencial para Firmo, hoje com 86 anos, nesses tempos de insegurança extrema nas ruas. 

Pixinguinha por Walter Firmo

Desde 2018, o Instituto Moreira Salles mantém, em regime de comodato, cerca de 145 mil fotos feitas por Walter Firmo ao longo da carreira. 

Uma parte desse acervo tem sido apresentada por meio de uma exposição, que já percorreu as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte e, atualmente, está em Salvador, no Museu de Arte Moderna da Bahia – com término previsto para 31 de março. 

A exposição mostra a riqueza das fotos de Walter Firmo, com cores sensíveis e intensas, que capturam o Brasil na sua singeleza e, ao mesmo tempo, na grandiosidade de sua gente.

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