Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

Augusto Diniz | Música brasileira

Silêncio do frevo no carnaval significa mais do que cancelamento da folia

A não ida às ruas do ritmo por causa da pandemia exigirá esforço de reconexão de seus brincantes

Foto: Andréa Rêgo Barros/Prefeitura do Recife
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Um dos mais importantes carnavais do País, o de Olinda, mais uma vez não terá nas ruas seus tradicionais blocos de frevo, por conta da pandemia. A manifestação é dança e ritmo musical, e sofreu forte influencia da capoeira ao se estabelecer como festa popular há mais de um século.

Alisson Lima conta que as capoeiras vinham na frente das bandas e aos poucos seus movimentos foram sofrendo influências até serem incorporados aos acelerados passos do frevo.

Bailarino e músico, Alisson Lima começou a se interessar pela dança ainda adolescente, no bairro de Ibura, onde morava no Recife, que tinha grupo de danças populares. Foi parar na Escola Municipal de Frevo, fundada por Nascimento do Passo, o primeiro mestre que fez um método de ensino do frevo no Brasil.

Depois, se aperfeiçoou, participou de espetáculos, venceu concursos de frevo, tornou-se professor e hoje ministra cursos de dança no Instituto Brincante, de Antonio Nóbrega, em São Paulo – em março, inclusive, inicia nova turma.

Em seus projetos, ele reúne o frevo e a capoeira, arte que também domina. “Isso não quer dizer que para dançar o frevo precise ser capoeirista. Mas trago isso como diferencial para minha dança. Faz parte da minha história enquanto artista. Fica mais fiel e chega junto do que é o contexto da dança”, afirma.

Vassourinhas

“Meu frevo incorpora a capoeira e a moganga (movimento), muito ligado ao trejeito de passista de frevo na rua”, diz. “Trago a história do passo e a essência da rua”. O frevo tem as modalidades de bloco, canção e o de rua.

O de rua é o mais tradicional, executado instrumental por uma orquestra de sopro, naipe de palhetas e metais e a percussão. “É aquele que você vê nas ladeiras de Olinda, que são os arrastões”, cita Lima. Vassourinhas (Matias da Rocha e Joana Batista Ramos) é a mais conhecida música do frevo e foi lançada em 1909.

O frevo, o carro chefe do carnaval de Olinda, porém, tem pouca divulgação, a não ser no período de carnaval. “O frevo tem muitos grupos, mas eles estão dispersos. Falta um trabalho de organização. Precisa mapeá-los”, diz o pesquisador na manifestação.

Se não fosse a pandemia, Olinda já estaria tendo ensaios desde dezembro de orquestras de frevo, como a do Homem da Meia Noite, Cariri, Elefante, para desfilar no carnaval.

“São grupos que ensaiam para sair do carnaval. São ensaios abertos. Os ensaios das orquestras e troças são concentrados em Olinda”, diz. O Paço do Frevo, espaço cultural dedicado ao frevo, no centro histórico do Recife, também tem escola, estúdio e acervo da manifestação.

Música mais tocada

“O interior de Pernambuco tem suas manifestações que receberam influencia do frevo. O frevo é a música mais tocada no nosso carnaval, embora o maracatu seja mais influente na música popular brasileira”, compara.

“O frevo perdeu importância grande com a pandemia. A principal característica do frevo e juntar multidões na rua, mas foi prejudicado”, afirma Alisson Lima.

“O frevo está perdendo força na cena cultural. A situação é delicada na maioria dessas manifestações, que acontecem na periferia, mobilizam a comunidade. Está todo mundo no mesmo barco. Algumas estão voltando a se reconectar, mas muita gente desistiu, ficou desestimulada”, avalia.

Ele diz que a falta de apoio deteriora a cultura popular. Apesar das pessoas envolvidas nessas manifestações – também chamadas de brincantes – terem outro trabalho, eles cuidavam do legado do festejo. “Fora que tem gente que vive somente disso”, lembra.

Alisson Lima considera fundamental trazer um mínimo de estabilidade a esses grupos que preservam a cultura. “Todo mundo que vive da música e da dança, bebeu dessa fonte popular”, ressalta.

De fato, um dos principais desafios do poder público pós-pandemia é reconectar presencialmente as comunidades com as suas tradições. O cancelamento pela segunda vez do carnaval é um forte componente de desestruturação das manifestações populares no país.

 

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