Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

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Recriação de ‘Transa’ em show mantém a aura cult do disco de Caetano

A apresentação oferece colagens sonoras e o desalento do exílio do baiano

Foto: Leo Aversa/Divulgação
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O álbum Transa (1972) não tem uma música que se transformou em sucesso permanente de Caetano Veloso, mas virou cult ao longo do tempo e uma referência em inovação musical.

Está à disposição no YouTube um show de Caetano para lembrar o álbum, com a participação dos músicos que gravaram o disco, incluindo o diretor musical Jards Macalé. A apresentação foi realizada em 14 de agosto, no festival Doce Maravilha, depois de uma torrencial chuva que atrasou em mais de quatro horas o espetáculo.

Marcam presença no show as colagens sonoras, o frescor musical e as letras – em português e em inglês – um tanto melancólicas desse álbum solo de Caetano, gravado em Londres, quando estava exilado. A apresentação lembra onde a música brasileira pode caminhar sem perder suas origens.

O show abre com You Don’t Konw Me, faixa que também inicia Transa. Depois, no entanto, Caetano parte para canções que ele chama de pré-Transa, como Irene (composta quando estava preso na ditadura) e Maria Bethânia (já no exílio). Asa Branca aparece cantada e tocada de forma incidental.

London, London (feita no exílio), The Empty Boat (composta antes de ser preso no Brasil) e Araçá Azul (faixa-título do álbum lançado em 1973) complementam a parte do show chamada pelo autor de pré-Transa.

Até aqui a banda de Caetano Veloso dá o vigor criativo necessário às canções, marcadamente de desalento do autor: Lucas Nunes (guitarra, violão), Rodrigo Tavares (teclados), Alberto Continentino (baixo), Kainã do Jejê, Thiago da Serrinha e Pretinho da Serrinha (bateria e percussões).

A banda, porém, ganha realce na emblemática Triste Bahia, dando continuidade no show à apresentação do disco. A canção é uma experimentação sonora com letra de um poema do barroco Gregório de Matos. A percussão com vários efeitos gravada no disco é reproduzida no palco.

Caetano segue com Neolithic Man, com Gal Costa sendo lembrada por ter colocado sua voz na música, e It’s a Long Way.

Sobem ao palco, então, Jards Macalé (violão e guitarra), Tutty Moreno (bateria) e Áureo de Souza (percussão). Os três gravaram em Londres o disco Transa, e a única ausência é o baixo de Moacyr Albuquerque, já falecido.

Transa deve ser visto como um trabalho conjunto – e o próprio Caetano o reconhece como projeto de banda -, orgânico e de gente criativa e competente no que faz. Mas a inventividade de Jards Macalé, que não só dirigiu, mas fez os arranjos e tocou violão no seu jeito peculiar, está totalmente impressa nesse disco bilíngue, que navega pelos ritmos tradicionais brasileiros e o contemporâneo rock and roll.

A apresentação recente mantém a fidelidade expressa no álbum de sete faixas, algumas bem longas e de vários modais sonoros, outras incidentais de tom afro-baiano-brasileiro.

Com os músicos da gravação original do álbum e a banda de Caetano, o show tem de novo a canção You Don’t Know Me. Caetano abre espaço no palco a Jards Macalé para tocar Mal Secreto, composta com Waly Salomão e gravada por Gal Costa em 1971, no clássico álbum Fa-Tal – Gal a Todo Vapor.

Depois, ambos cantam Sem Samba Não Dá, gravada no último disco do baiano, Meu Coco.

Mora na Filosofia, de Monsueto e Arnaldo Passos, gravada no Transa, ganha versão mais longa, assim como Nine Out of Ten. O show encerra com Nostalgia, a exemplo do disco.

Não foi um show antológico, mas prova os motivos de o disco Transa ser cultuado. Caetano Veloso faz uma velada crítica à ditadura (e facilmente relacionada aos tempos sombrios mais recentes), trazendo uma sonoridade rica e incisiva no álbum, plenamente mostrada nessa apresentação.

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