Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

Augusto Diniz | Música brasileira

Rapper que viveu na rua e largou as drogas cria o Beco do Pantera no Rio

Shackal, que nasceu na Rocinha, conta as dificuldades de montar movimento que alimenta os sem-teto no local onde conviveu com a miséria

Foto: Iago Bruno Zuccarini/Divulgação
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A Tropa da Solidariedade quer dar início a um novo projeto focado na revitalização de um espaço público na Lapa do Rio de Janeiro. A proposta é revigorar o Beco dos Carmelitas por meio de intervenções artísticas, semelhante ao que já ocorre no Beco do Batman, em São Paulo.

O local passaria a se chamar Beco do Pantera, numa referência ao super-herói Pantera Negra, com espaço revitalizado por meio do grafite, em uma galeria de arte que ficaria a céu aberto.

No sábado 18 e neste domingo 19, artistas de pintura vão para transformar as paredes do Beco dos Carmelitas – o local já havia sofrido algumas intervenções estruturais para viabilizar o projeto. Nas datas, outras manifestações artísticas voluntárias ocorrerão para celebrar a mudança radical no espaço. A ideia é ampliar o projeto para outros lugares do bairro.

O local da intervenção é familiar ao rapper Shackal, fundador da Tropa da Solidariedade. A Lapa foi lugar de ascensão, queda e também renascimento do artista.

“Igual zumbi”

Shackal, hoje com 49 anos, começou a fazer rap no começo dos anos 1990, na favela da Rocinha, onde nasceu. Ele ainda pegou a fase dos bailes black, mas o funk já começava a dominar.

O artista chegou a escrever algumas letras e cantar no ritmo do novo gênero musical, mas seu som falava de paz e necessidades de mudança no gueto, diferente do que se fazia nos chamados bailes do corredor, em que grupos de funkeiros rivais partiam para briga.

Ele passou, então, a frequentar a Lapa, onde se encontrou com a primeira geração de rappers e grupos de rap do Rio, como MV Bill, Gabriel Pensador, Disciplina Urbana, Filhos do Gueto, Damas do Rap, Black Alien.

Isso foi um pulo para se envolver com a cultura hip hop, em crescente evidência na época. Shackal apesentava seu trabalho em rodas de freestyle. Talentoso, chegou a fazer shows no Rio em casas de espetáculos e comunidades e participou de gravações com vários artistas.

Frequentava as festas ligadas ao hip hop na Lapa, onde também iam Marcelo D2, BNegão, Don Negrone, entre outros. Naquela época, fez ainda teatro.

Mas a situação apertou. A mãe era empregada doméstica e o pai alcóolatra. Chegou a morar nas palafitas do Complexo da Maré. Nessa ocasião, já estava afundado nas drogas.

“Perdi o controle da ideia”, resume. “Fui me afastando dos caras. Eles tinham pique de trampo, no foco, parada séria. Comecei a pirar demais. Fui ficando chato, feio, vergonhoso”, conta. “Fui voltando para a comunidade, voltando para a favela. Sabia que teria facilidade de uso de drogas. Me afundei mais ainda. Fiquei igual um zumbi”, lembra dos tempos em que vivia no Complexo da Maré.

Tempos depois, passou a ir às favelas do centro do Rio de Janeiro e resolveu voltar à Lapa, onde imaginou que as pessoas poderiam lhe reconhecer. “Achava que ia morrer nas ruas”, cita.

Ficou na Lapa por 10 anos e chegou a dormir embaixo dos Arcos, mas contou com ajuda de alguns amigos.

Retribuição aos moradores de rua

A virada veio em 23 de abril de 2016, dia de São Jorge e também de Jorge Luiz Fernando dos Santos, o nome de batismo de Shackal. Foi a partir dessa data que decidiu procurar tratamento e larga as drogas.

Aos poucos, ele foi voltando aos palcos com a música, inclusive com o Baile do Shackal. Montou projetos dentro do âmbito do hip hop – algo que já fazia, mas agora de forma sólida. Gravou com a sua antiga banda 3Preto. Também desenvolveu trabalho solo.

Hoje, Shackal está casado e mora nas Laranjeiras. Mas, de vez em quando, vai à Rocinha visitar velhos amigos. “Estou  limpo há seis anos. Fazendo meu corre. Estou feliz. Quero viver”.

Durante a pandemia, voltou à Lapa para ajudar moradores de rua e até residentes de lá com distribuição de comida e cestas básicas a partir de seu projeto Tropa de Solidariedade. A iniciativa compra até alimentos de famílias que plantam sem agrotóxicos e também passam dificuldades, para fazer comida para os sem-teto.

Um das pessoas que o ajudaram na rua foi Eriberto Ximenes. Eles se conheciam há décadas e no período de aperto o rapper ia ao restaurante do cearense, o tradicional Os Ximenes, na Lapa.

O movimento Tropa de Solidariedade já impactou mais de 20 mil famílias em vulnerabilidade e pessoas em situação de rua, desde o início da pandemia. Composto por voluntários, o projeto chamou a atenção de Eriberto, que passou a integrá-lo.

O projeto ganhou um espaço na Lapa, que se tornou sua sede. No local, estão previstas atividades sociais. Para saber do Tropa da Solidariedade, acesso o site.

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