Augusto Diniz | Música brasileira
Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.
Augusto Diniz | Música brasileira
‘Rap pelo Rap’ segue o papel de expor o quebra-cabeça social dessa arte
Disponível agora no YouTube, sequência do documentário tem falas da nova geração do movimento que incomoda o establishment


Ouvir o que dizem as pessoas envolvidas no movimento do rap no País costuma ter uma modulação forte de assuntos ligados aos problemas da periferia. O Rap pelo Rap é um documentário que expõe o quebra-cabeça social do gênero, com depoimentos de produtores, MCs e cantores que fizeram sucesso no meio e outros ainda em busca de espaço.
O primeiro documentário O Rap pelo Rap chegou ao YouTube no final de 2015. O segundo, depois de percorrer festivais, passou a ficar disponível gratuitamente na plataforma de vídeos há algumas semanas. Ambos têm direção e roteiro de Pedro Fávero.
O primeiro documentário mostra a ascensão e o modelo do gênero. Já O Rap pelo Rap 2 revela a sua consolidação e o ingresso forte de mulheres no meio. Nos dois casos, a construção na periferia de um projeto de vida por meio do rap dá o tom.
A continuidade do documentário já se vê o rap mais melodioso, influenciado por outros gêneros e letras de vários espectros, tratando de amor e assuntos comportamentais, embora não tenha perdido seu peso de denúncia social – nos anos recentes, ela vem sendo exposta de forma mais subliminar. Há também um direcionamento ao acolhimento da periferia na música da nova geração.
A simplificação do rap para atender uma demanda de mercado também é fato, assim como sua fusão com elementos do funk, quando muitos ainda gostariam de manter o discurso abertamente voltado às questões sociais e a batida clássica, nem sempre do amplo gosto popular.
Mulheres
Parte interessante do documentário mais recente é a apresentação de um coletivo de mulheres do rap, com depoimentos bem representativos – muitas hoje do grupo, aliás, em patamar mais alto no gênero. A expressão maior ali é de quebra de paradigma, não somente pelo avanço na música, mas a superação no ambiente periférico de restritiva oportunidade ainda maior às mulheres.
É preciso compreender a questão social exposta na periferia. O rapper abre a janela ou a porta e vê a realidade (difícil), quando não está dentro da própria casa – não há como fugir disso nas rimas que fazem em cima de beats.
O crescimento da produção do rap na periferia ganha contorno autônomo. Ali, quem cresceu, ganhou dinheiro com rap, por certo teve alguém muito próximo que passou muita necessidade, quando não são os próprios pais.
O filme perpassa por todos esses intrincados temas em dezenas de depoimentos. É interessante observar que em O Rap pelo Rap 2 já não se vê tanta crítica a falta de espaço na mídia, como no documentário 1, que é tratado até em um capítulo específico.
O foco agora é na internet, milhões de espectadores e monetização pelos seus próprios canais. Alguns rappers e produtores já circulam facilmente em outros gêneros, de produtor a músicos.
Rap é arte. Para muitos, motivação para seguir. Um caminho fora do inevitável da periferia. Ainda assim, a discriminação continua. O crescimento maior de audiência é ainda no seu nicho de origem, periférico e pobre ou classe baixa.
O Rap pelo Rap 2 retoma a conversa do gênero como uma questão socioeconômica brasileira complexa exposta em forma de música.
No primeiro, vale a pena ouvir os depoimentos de Dexter, Sandrão RZO, GOG, Nave, Karol Conká. No segundo, falas de peso de Djonga, Rincon Sapiência, Froid, Baco Exu do Blues, Matéria Prima, Bivolt, Drik Barbosa, Brisa Flow e alguns outros.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.