Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

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Ousada e visceral, Angela Ro Ro pagou o preço de viver sem disfarces

Sua trajetória pública foi marcada por declarações ácidas e uma franqueza que a consolidaram como uma das ‘malditas’ da MPB

Ousada e visceral, Angela Ro Ro pagou o preço de viver sem disfarces
Ousada e visceral, Angela Ro Ro pagou o preço de viver sem disfarces
A cantora Angela Ro Ro. Foto: Gravadora Biscoito Fino/Divulgação
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Uma voz áspera dificilmente faria sucesso em canções de amor. Mas Angela Ro Ro fez dessa aparente contradição a sua marca: transformou o tom rouco e grave em instrumento de visceralidade, emoção e autenticidade.

A cantora e compositora morreu nesta segunda-feira 8, aos 75 anos, no Rio de Janeiro. Estava internada desde junho, em razão de uma infecção pulmonar.

Angela Ro Ro foi uma artista de extremos. Ia do samba ao rock, sempre impondo dramaticidade em cada interpretação. Seu disco de estreia, lançado em 1979, já a apresentou como uma força singular da música brasileira, com canções como Amor, Meu Grande Amor (parceria com Ana Terra) e composições autorais de impacto, entre elas Não Há Cabeça e Agito e Uso.

Logo no álbum seguinte, Só Nos Resta Viver (1980), a faixa-título estourou como novo “arrasa-quarteirão”. E em Escândalo (1981), Angela recebeu de Caetano Veloso uma canção sob medida para o seu momento de vida — marcada pela turbulenta separação da cantora Zizi Possi. O quinto disco, A Vida É Mesmo Assim (1984), é lembrado como um dos ápices de sua potência artística.

Nos anos 1980 e início dos 1990, Angela Ro Ro manteve uma agenda intensa de shows. Levava aos palcos um repertório que mesclava paixão romântica, blues, jazz e composições de caráter autobiográfico. Em Gota de Sangue (1979), assumia sua homossexualidade em plena ditadura. Já em Meu Mal é a Birita (1980), escancarava sua relação com álcool e drogas, sempre sem meias-palavras.

Mais tarde, decidiu pela sobriedade. O disco Acertei no Milênio (2000) simbolizou essa virada. Mas sua trajetória pública continuou marcada por falas polêmicas, declarações ácidas e uma franqueza que a consolidaram como integrante da tradição das “malditas” da música brasileira.

Seu último trabalho de estúdio, Selvagem (2017), mostrou que o vigor criativo seguia vivo. Mas, num cenário em que a sobrevivência artística depende sobretudo de shows, Angela passou a enfrentar dificuldades financeiras, chegando a pedir ajuda nas redes sociais.

Ousada, talentosa e visceral, Angela Ro Ro construiu uma trajetória que espelha as dores de quem não cabe em convenções. Sua história, cheia de paixão e contradição, merece livro e filme.

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