Na apresentação de Racionais MC’s entre o Gatilho e a Tempestade (Editora Perspectiva), o sociólogo Deivison Faustino aponta: a institucionalização do rap se fortaleceu após a eleição de Lula de 2002.
Ele explica: o rap e outros movimentos das periferias se beneficiaram das políticas públicas da época com a luta diária do povo pobre. Essa combinação, entretanto, enfraqueceu a base de mobilização desses movimentos, criando um vazio.
Este vazio, completa, abriu espaço para outras ideologias e forças políticas – o que foi fundamental para a eleição do governo Bolsonaro, apesar do rap ter contribuído significativamente para formar novas lideranças negras críticas ao sistema e com forte conexão com a periferia.
Outro ensaio do livro, de Bruno de Carvalho Rocha, fala de como a cultura visual religiosa se estabeleceu nas periferias do país e, consequentemente, no rap.
Temas políticos e sociais, aliados a uma estética nada convencional, marcaram os primeiros anos do Racionais.
Santos católicos, rosários, versos bíblicos e orixás permeiam o tecido social da periferia e tornaram-se elementos do gênero. Embora a cultura visual tenha sido imitada por camadas sociais mais privilegiadas, ela permanece territorial e possui gírias próprias na periferia.
O contexto social das letras dos Racionais – muitas vezes visto pelo branco letrado como marginalidade, principalmente na sua primeira fase – na verdade, deve ser observado de forma inversa: representa vozes marginalizadas.
Acauam Oliveira, pesquisador com profundo conhecimento sobre os Racionais, comenta que o grupo abriu caminho para novas vozes, como Baco Exu do Blues, Djonga, Emicida e Criolo. Este último lançou Nó na Orelha (2011), integrando explicitamente o rap com outros gêneros.
É preciso esperar para ver como os Racionais navegarão nesse novo cenário – seu último álbum foi lançado em 2015, antes de o streaming se tornar predominante na receita da indústria fonográfica. O grupo promete lançar um novo álbum em breve, voltando ao tema da realidade periférica sem reservas, como em sua fase inicial.
Hoje, o rap tornou-se mais empreendedor e menos engajado com questões sociais e políticas – com o gênero trap dominando o cenário musical. Embora a expansão traga transformação, também torna o gênero mais ambíguo como a voz dos desprivilegiados.
‘Racionais MC’s entre o Gatilho e a Tempestade’ serve de ponto de partida para o que vem pela frente.
Para proteger e incentivar discussões produtivas, os comentários são exclusivos para assinantes de CartaCapital.
Já é assinante? Faça login