Augusto Diniz | Música brasileira
Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.
Augusto Diniz | Música brasileira
Livro analisa a dimensão filosófica da obra de Nelson Cavaquinho, Cartola e Carlos Cachaça
Eliete Negreiros assumiu a missão de dissecar a complexa produção dos três sambistas


Nelson Cavaquinho (1911-1986), Cartola (1908-1980) e Carlos Cachaça (1902-1999) foram sambistas que retrataram experiências e o cotidiano em um misto de poesia e realidade, sinceridade, humildade e franqueza.
São alegrias e frustrações, com alguma esperança de mudança. Eles viveram de modo simples, mas deixaram uma obra de rara riqueza humana.
O ensaio Nelson Cavaquinho & Cartola & Carlos Cachaça: Caminho da Existência (Edições Sesc São Paulo; 2012), de Eliete Eça Negreiros, analisa os três amigos mangueirenses que propuseram reflexões profundas sobre a vida.
Eliete, cantora do movimento Vanguarda Paulista que depois se dedicou aos estudos de Filosofia, com trabalhos principalmente em torno da obra de Paulinho da Viola, vai além de contar a vida dos três sambistas: analisa as obras em uma dimensão filosófica sem necessariamente recorrer a teorias acadêmicas.
O Caminho da Existência mencionado no título é um samba de Carlos Cachaça e Délcio Carvalho (1939-2013) — mais conhecido pela parceria com Dona Ivone Lara (1921-2018). A autora analisa a canção, centrada na vontade de conhecer o mundo associada ao tempo que corre, sempre um inimigo inexorável.
O livro destaca as principais músicas dos sambistas. No caso de Cartola, a emblemática As Rosas Não Falam, criada a partir da observação dele e de sua então esposa, Dona Zica, de uma roseira plantada no quintal de casa.
A canção fala de esperança e diz que o perfume exalado pelas rosas foi roubado de uma amada, uma construção poética exuberante, inesperada e filosófica: Volto ao jardim/ Com a certeza que devo chorar/ Pois bem sei que não queres voltar/ Para mim/ Queixo-me às rosas/ Que bobagem as rosas não falam/ Simplesmente as rosas exalam/ O perfume que roubam de ti.
O capítulo dedicado a Nelson Cavaquinho, o mais longo do livro, destrincha um personagem único da cultura brasileira, que andava com seu violão pelas ruas produzindo uma obra capaz de falar da vida e da morte com a mesma naturalidade, de forma profunda e veemente.
A autora estabelece comparações entre a obra de Nelson Cavaquinho e reflexões de filósofos, poetas e escritores como Simone de Beauvoir, Aristóteles, Sêneca, Goethe, Cecília Meireles e Sartre. Em Rugas e Degraus da Vida, Nelson Cavaquinho trata da velhice, um tema recorrente para pensadores.
Nas parcerias com Guilherme de Brito — que fazia as letras —, como a inesquecível Folhas Secas, a finitude também se faz presente: Quando o tempo avisar/ Que eu não posso mais cantar/ Sei que vou sentir saudade/ Ao lado do meu violão/ E da minha mocidade.
O livro Nelson Cavaquinho & Cartola & Carlos Cachaça: Caminho da Existência cristaliza a filosofia popular como uma força influente.
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