Augusto Diniz | Música brasileira
Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.
Augusto Diniz | Música brasileira
Kaê Guajajara: ‘Em Mirinzal, a invasão é dos madeireiros; na Maré, da Polícia’
A artista, nascida em aldeia no Maranhão, mora em comunidade carioca e vê a ausência do Estado nos dois lugares


A artista indígena Kaê Guajajara lançou em setembro do ano passado o álbum intitulado Kwarahy Tazyr, que quer dizer “Filha do Sol” em zeeg’ete (língua Guajajara). O trabalho reflete a sua luta contra a marginalização dos povos originários.
Assim como os três EPs que Kaê lançou em 2019 e 2020, o álbum tem o objetivo de reconhecimento e manifestação contra o poder opressor. O disco reúne música contemporânea com elementos indígenas. Nesse caminho, ela lançou ainda o livro O que Você Precisa Saber Sobre os Povos Originários e Como Ajudar na Luta Antirracista.
“O ponto central de meu trabalho é expor que nós estamos vivendo e não estamos somente no mato”, diz. “Se não notam que estamos vivendo, tira-se a responsabilidade de criar políticas públicas”.
Kaê Guajajara, 28 anos, é uma indígena não aldeada. “Quem dera pudesse viver só no mato. Ele (o indígena) precisa ir à cidade estudar, trabalhar, senão ele não come – porque na terra dele ele não consegue mais pescar e caçar, por interferência do homem”.
A cantora, compositora e escritora nasceu em uma aldeia não demarcada em Mirinzal, não muito distante da Região Metropolitana de São Luís do Maranhão. Com a mãe Guajajara e o pai carioca, mudou-se aos 8 anos para o Complexo da Maré, um dos maiores conjuntos de favelas do Rio de Janeiro.
O complexo da Maré e o território de onde veio têm muitas semelhanças e são consequências da colonização, segundo ela. “Ambos são comunidades em territórios não demarcados. A Maré não tem reconhecimento do Estado, não chegam as políticas públicas para as pessoas que estão ali”, afirma.
De acordo com a artista, em ambos os territórios há invasão: “Em Mirinzal (onde nasceu), a invasão é dos madeireiros e na Maré, da Polícia, onde cria-se aquela guerra”.
Para ela, “essas comunidades vivem à margem”. Kaê lembra que nas aldeias demarcadas nem sempre há saúde e educação, apesar de o acesso a elas ser um direito.
Aldeia Maracanã
A cantora e compositora, depois de décadas morando no Complexo da Maré, estava de mudança para mais próximo da Aldeia Maracanã, aldeamento urbano multiétnico localizado no antigo prédio do Museu do Índio e ao lado do estádio do Maracanã.
Kaê Guajajara realiza, desde 2013, diversas atividades culturais para os indígenas que lá habitam, e também desenvolve importante relacionamento com os moradores do bairro onde fica a aldeia, para explicar a importância dos povos originários – já que a comunidade indígena é constantemente ameaçada de despejo.
“Por conta dessa inviabilização indígena nas grandes cidades, a gente perde muito”, explica. “Existe um direcionamento de manter o indígena em um só lugar. O indígena é o único indivíduo no meio da cidade que o condicionam pelo território.”
“Você não tem que estar aqui, mas no meio do mato, dizem eles. Isso é uma tática do governo de nos condicionar em um lugar, não fazendo com que a gente tenha acesso aos nossos direitos”, afirma.
“O Brasil não sabe lidar com os sobreviventes do genocídio que fizeram. Mas o nosso apagamento tem interesse político, que é, no fim, a exploração das terras indígenas. Eu não posso estar nem na favela nem na aldeia existindo”.
Ela não acredita mais na proteção do branco, principalmente com relação à principal reivindicação indígena, que é a demarcação de terras: “A gente tem o pensamento de que precisamos nos autodemarcar. Nosso caminho não é à direita ou à esquerda, mas para frente”.
A música é uma ferramenta de Kaê para tirar seu povo da invisibilidade. As melodias são feitas a partir de seus sonhos – o que ela sonha, costuma gravar e passar para o seu produtor. A formação musical ocorreu dentro da Maré, baseada no rap. Mas resolveu desenvolver projeto próprio, porque ninguém entendia a temática tratada em suas canções.
A cantora e compositora pede que ouçam os artistas indígenas. “Não se assustem ao ver um indígena na padaria, no mercado. É só o resultado da colonização que sofremos.”
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