O álbum solo de Juliana Linhares tem muito do livro A Invenção do Nordeste e Outras Artes, de Durval Muniz de Albuquerque Jr.
A conhecida obra faz uma desconstrução do estereótipo criado em torno do Nordeste, “que instituem uma verdade que se impõe de tal forma que oblitera a multiplicidade das imagens e das falas regionais, em nome de um feixe limitado de imagens e falas-clichês, que são repetidas ad nauseum, seja pelos meios de comunicação, pelas artes, seja pelos próprios habitantes de outras áreas do país e da própria região”.
A cantora e compositora potiguar conta que tem também “algo muito forte de tirar a música do lugar (de onde veio) estereotipado”. Segundo ela, “muitas vezes vê-se a música nordestina ser considerada música de raiz.”
Mas Juliana quer cruzar essa fronteira, como fizeram vários artistas no Nordeste, como seus parceiros musicais Zeca Baleiro e Chico César: “Levar a música nordestina para dentro da música brasileira. Você não diz que a música deles é nordestina, você diz que é brasileira”.
Juliana Linhares foi para o Rio de Janeiro há 12 anos estudar teatro. Pouco tempo depois, passou a também a fazer música, especificamente compondo como vocalista a banda Pietá ao lado de Rafael Lorga (percussão) e Frederico Demarca (violão). Com o grupo, lançou dois álbuns. Em 2019, apresentou um disco chamado Iara Ira ao lado de Duda Brack e Julia Vargas.
Melhores do ano
No ano passado, lançou seu álbum solo Nordeste Ficção, colocado entre os melhores de 2021 em várias listas da crítica especializada. De fato, o trabalho é original, denso, impactante e bom de ouvir.
“Fiquei pensando como seria meu disco solo. Queria que minha voz comunicasse algo”, explica. Depois de assistir uma peça baseada no livro A Invenção do Nordeste e Outras Artes, citado no início deste texto, interessou-se pelo tema. “Queria abrir uma janela no disco para isso”, revela. “Então criei o Nordeste Ficção, brincando com essa ideia de invenção”.
A cantora conta que se entendeu nordestina depois de sair do Nordeste. “Quando você sai de lá, você vê todo um estereótipo construído. E dar voz a isso é muito difícil, árduo. É uma batalha de desconstrução para ampliar a consciência, a cabeça, o corpo, o coração”, aponta.
O disco de Juliana é bastante contemporâneo. E por ser um álbum (na era dos singles, que muitas vezes se repetem na forma e estilo), ela coloca bem em prática o que se propôs a fazer.
“O álbum é um exercício de dramaturgia, uma escola de ensinar as pessoas a ouvir. Álbum constrói temática, constrói obra. O álbum a gente faz pensar mais”, afirma.
Agora, Juliana Linhares quer levar o Nordeste Ficção para os palcos. No dia 24 de março, por exemplo, estará no Studio SP, na capital paulista. Com os shows, ela pretende dar continuidade à apresentação do tema de seu disco.
O show em São Paulo contará com a participação de Zeca Baleiro, parceiro dela na faixa Meu Amor Afinal de Contas.
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