Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

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Em São Mateus, grupo quer gravar álbum de expoente do samba

Tocão é filho de Tia Cida dos Terreiros, que formou um reduto do gênero na zona leste de São Paulo

Foto: Reprodução
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Nos anos 1960, São Mateus, no extremo  leste de São Paulo, ainda era muito pouco habitado, mas Tia Cida, filha do sambista Blecaute e D. Ercília, já reunia alguns músicos em sua casa para uma batucada – com apoio incondicional da mãe –, que às vezes durava um final de semana inteiro. O movimento prosperou, foi para outros quintais e atraiu novas gerações.

Seu filho, Marcelo Ercílio Carlos, o Tocão, foi um dos mais empolgados com o movimento. Junto com o amigo Gerson Martins, ou Gerson da Banda (cuja mãe é também uma das tias do samba), resolveu conhecer na região central da capital paulista a nova sonoridade do samba que vinha do Cacique de Ramos, no Rio de Janeiro, em meados dos anos 1980. Um dos lugares aportados foi o Clube do Pagode, na Barra Funda.

Voltaram de lá animados. Primeiro porque Tocão viu que seu pai, o Chaminé (morto em 1987), carnavalesco da tradicional Camisa Verde e Branco, era reconhecido como um baluarte. Depois, porque podiam fazer São Mateus uma batucada diferente e viver disso.       

A história prosperou. Na virada do século, Tocão passou a acompanhar com o seu banjo – um dos instrumentos que marcou o samba novo da turma do Cacique – justamente dois importantes impulsionadores do movimento: Beth Carvalho e Almir Guineto.

Os dois sambistas, quando estavam em São Paulo, faziam questão de ir às rodas do quintal de Tia Cida, no bairro de Vila Flavia, no distrito de São Mateus – e até dormiam por lá. Além de Gerson da Banda na percussão, compareciam a essas rodas os irmãos músicos Yvison, Everson e Vítor Pessoa, que seriam integrantes de um dos grandes grupos de samba de São Paulo, o Quinteto em Branco e Preto (já extinto). 

Naquele início de século, o pessoal que fazia batucada lá da zona leste da capital paulista se reuniu em torno do recém-criado grupo Berço do Samba de São Mateus. Mais do que um grupo de musical, Yvison Pessoa explica tratar-se de um projeto que abarca a perpetuação e a força do samba naquela localidade de São Paulo.

Registros

O Berço do Samba de São Mateus gravou dois registros essenciais do gênero paulista, sendo um 2007 (com participação de Beth Carvalho e Almir Guineto) pelo selo Sesc e outro em 2015. E fez ainda turnê nos Estados Unidos. Já a Tia Cida dos Terreiros lançou o seu, também pelo selo Sesc, em 2013. Yvison ainda lançou um trabalho solo e autoral em 2017, o excelente Trajetória. O Selo São Mateus, também do grupo de sambistas da região, tem lançando singles e o próximo é de Gerson da Banda.

Tocão, que é uma referência local por ter trabalhado com dois grandes sambistas, além de outros de renome de forma mais esporádica, e também por realizar no quintal da casa da mãe antológicas rodas de samba em São Mateus, quer agora gravar o seu álbum autoral.

O repertório está quase fechado, segundo Yvison. “Tem muita música. Tem que dar o tiro certo pra não gastar bala. Já tem duas a três gravadas”, explica Tocão, que diz trabalhar para o disco sair em 2023.

O momento de volta das rodas do samba pós-pandemia anima os músicos. O próprio Berço do Samba de São Mateus tem retomado a agenda com Yvison no comando, além de Tocão, Gersinho da Banda, Sandoval, Ronny King, Tim Maia, entre outros instrumentistas do distrito da zona leste.

Fabiana Marques do Carmo, mestranda em antropologia pela Universidade Federal de Grande Dourados (MS), tem desenvolvido seu trabalho de pesquisa em torno do samba de São Mateus.

“O Berço é um configuração em que tem músico, sambista, percussionista, compositor, intérprete, arranjador, produtor, pesquisador…Está tudo dentro desse berço. Berço de São Mateus é onde as tias gestaram essas pessoas”, diz. “A base foi aqui na casa delas, nos quintais de São Mateus. Ele não é um samba de comunidade. É muito mais além”.

Fabiana conta que do Berço nasceu pelo menos cinco comunidades de samba – Maria Cursi, Vera Cruz, Toca da Onça, Quilombo da Vila Flavia, Panelão do Jarrão -, Instituto Cultural de Tradição e Memória do Samba de São Mateus (liderado por Yvison), Orquestra de Samba e Choro (sob regência de Everson Pessoa), além de influenciar o surgimento de duas escolas de samba na região. 

Tia Cida chama o Berço do Samba de São Mateus de “família comunitária”. Já Tocão cita como “minha identidade”. Gerson se sente privilegiado de fazer parte dessa história: “A gente quer contribuir que o nome do samba de nossa quebrada seja sempre forte”.

São Mateus é o movimento vivo do samba na sua plenitude na periferia de São Paulo. 

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