Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

Augusto Diniz | Música brasileira

Em novo álbum, Eduardo Gudin grava música inédita vetada na ditadura

O 18º álbum do músico, lançado nesta quinta-feira 3, expressa o domínio da canção de um dos grandes compositores brasileiros

Foto: Joana Gudin
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Era para ser um disco na medida para apresentar um repertório de canções, valsas e choros, diferente do que costuma ocorrer em seus trabalhos predominantemente marcados por sambas. Além dele na voz e no violão, uma formação justa composta por duas cantoras e seus instrumentos: Léla Simões (viola, violino) e Naila Gallotta (piano).

O resultado do projeto, porém, se mostra maior e revela o valor de um dos grandes compositores brasileiros. Eduardo Gudin lança nas plataformas digitais de música, nesta quinta-feira 3, o seu 18º álbum, comprovando seu total domínio na prática da composição.

São 13 faixas – do disco que tem o nome de Valsas, Choros e Canções – entre inéditas, conhecidas e outras nem tanto. Além de Gudin, Léla (que já tinha formado dupla com Gudin no seu trabalho anterior) e Naila, há a participação em duas faixas de Ronen Altman (bandolim) e em uma de Fernando Goldenberg (gaita).

O disco é composto por duas musicais instrumentais: o inédito choro Jacob, em homenagem ao grande bandolinista, e Choro do Amor Vivido (Gudin e Walter de Carvalho), que foi apresentada com letra no Festival de Música de 1968, mas gravada no 1º disco de Gudin em formato instrumental.

Entre as já registradas estão Arrebentação (Gudin e Paulo César Pinheiro), Elegância Antiga (Gudin) – esta gravada em um DVD ao vivo do autor -, Navegador (Gudin e Paulo Frederico), a clássica Paulista (Gudin e Costa Netto), Luzes da Mesma Luz (Gudin e Sérgio Natureza) – com participação do cantor Renato Braz -, Valsa Anônima (Gudin e Costa Netto) – chegou a ser gravada em um trabalho de músico independente – e Lenda (Gudin, Roberto Riberti, Arrigo Barnabé e Hermelino Neder).

Já as inéditas são O Velho e o Rio e Poente (as duas de Gudin com Marco Antônio da Silva Ramos) e a valsa Recordação de Mim, feita com o poeta Cacaso (1944-1987), quando os dois eram muito próximos na parceria musical, no início dos anos 1980.

Para não esquecer

Outra inédita é Fábula, de Gudin e Sérgio Natureza. A música foi vetada na ditadura militar. Eduardo Gudin lembra que havia planejado lançá-la em um dos seus primeiros discos: Coração Marginal (1977) ou Fogo Calmo das Velas (1981). Mas o Departamento de Censura proibiu a canção, agora gravada.

“A canção fala dos presos mortos na ditadura. Amigos que perdi. Não podemos esquecer nunca dessa época”, ressalta Gudin.

O cantor e compositor já havia tido duas músicas vetadas pelo regime militar no seu 1º álbum, de 1973. Ambas em parceria com Paulo César Pinheiro. É Melancolia teve a letra alterada e a composição acabou sendo gravada no disco O Importante é que a Nossa Emoção Sobreviva Vol. 2 (1976). A outra, chamada Teatro de Revista, entrou somente no disco de Gudin de 1981.

Em 1974, Eduardo Gudin montou um show com Paulo César Pinheiro e a cantora Márcia, que tinha músicas de tom político como Mordaça (dele com PC Pinheiro) e Pesadelo (Maurício Tapajós e PC Pinheiro). Com apresentação em teatros de São Paulo por dois anos, o projeto incomodou os generais.

“O País está surreal. Na ditadura era mais claro. Hoje tem um mistura de negacionismo, ignorância, atrasos de conceito, terra plana. É muito esquisito. Essa carga de raiva, de fúria. Os indiferentes. Onde estavam essas pessoas? Não sei como pode a direita ser representada por esse tipo de coisa”, analisa o compositor.

Em 55 anos de carreira, Eduardo Gudin fez um disco de quem conhece música (e melodia, sua especialidade) em todas as suas nuances, inclusive no seu papel livre e crítico.

Fábula, a composição proibida na ditadura militar de Gudin e Sérgio Natureza, segue abaixo:

Foram anos tão longos
Nós éramos tão moços
Repartindo caroços
E ossos pelos nossos
Destroços do poder
Um vício de querer/ver
A luz quebrando as vidraças
O sol nas praças, no ar
A voz rasgando as mordaças
Esquecer jamais
Sempre relembrar

Foram anos tão longos
E os poucos que restaram
Contaram-nos histórias
Heroicas, suicidas
Mil vidas eu morri
Amigos que perdi
São marcas na minha memória
Manchas não dão pra apagar
Mesmo com dor e sem glória
A noite passou e amanhecerá

Esquecer jamais
Sempre relembrar

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