Augusto Diniz | Música brasileira
Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.
Augusto Diniz | Música brasileira
Em livro, Zélia Duncan expõe sensações e práticas na música
Cantora conta algumas passagens da carreira com uma boa conversa, exposição de referências e caminhos até o palco
Benditas Coisas que Eu Não Sei – Músicas, Memórias e Nostalgias Felizes (Editora Agir; 240 pág.) é o primeiro livro da cantora e compositora Zélia Duncan. Na obra recém-lançada, ela conta algumas passagens da vida com uma produtiva conversa.
O livro se aprofunda em temas pouco recorrentes em autobiografias de músicos ou quando biógrafos escrevem sobre eles. Zélia centra-se – dentro de sua percepção e sensações – nos estímulos provocados pela música, o trato com a voz e o canto, o segredo do ritmo, a relevância da preparação e ensaios até subir ao palco e a importância do silêncio como prece em meio a uma atividade em que a emissão de som é o motor da prática.
A forma com que a canção ocupa os espaços na vida da cantora é relatada de maneira quase minuciosa e expõe com propriedade muito do que deixamos de ver ou nem atribuímos ao cotidiano do meio artístico. A voz, que tem limites e se altera, encorpa, envelhece e, ao mesmo tempo, liberta, dá trabalho de cuidar – Zélia conta a busca pela singularidade no conjunto de sons emitidos pelas vibrações das cordas vocais.
Há ainda o segredo do ensaio como elemento – ou tentativa – de conexão com o público mais adiante. Um exercício de aproximação fundamental. O precioso minuto de silêncio para pôr as coisas no lugar.
Zélia Duncan trata também dos discos e trilhas favoritos, suas referências musicais, sexualidade e lembranças. É uma forma muito peculiar de contar a história de si, sem pontuar tanto por projetos de forma cronológica.
O reconhecimento em um dos capítulos do livro ao papel do samba na música – gênero o qual dedicou o disco Antes do Mundo Acabar (2015) – insere Zélia Duncan no espaço cultural, onde subliminarmente dá significado à sua forma de entender a arte. Ela celebra o gênero – faz isso também em outros trechos do livro – como um ritual de congraçamento de quem somos com todos os defeitos.
O processo de composição baseado nos sentimentos e retratos do momento é também exposto ao longo da obra. Além da apresentação de uma surpreendente corredora de maratona – isso mesmo, ela é maratonista.
Tudo de Zélia Duncan afunila para o palco como centro sagrado: “É que o palco mexe em outros departamentos de nosso cérebro, aqueles que ficamos loucos pra chamar de alma, sonho, desejo, infinito, perfeição. Palco é uma ilusão, mas uma ilusão verdadeira, daquela que não podemos prescindir”.
O livro é original e traz Zélia Duncan igualável à força de sua obra musical.
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