Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

Augusto Diniz | Música brasileira

Ednardo: ‘Na ditadura, a gente falava por meio de metáforas’

Músico lança álbum com gravação feita há 50 anos, que revela um dos embriões do movimento composto por ele, Belchior e Fagner

Foto: Divulgação
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O primeiro álbum de Ednardo “passou em brancas nuvens”, segundo ele próprio. O cantor e compositor conta que a gravadora de seu disco de estreia lançado em 1974 estava com uma baita “má vontade” em divulgá-lo.

Dias Gomes, anos depois, escutou o disco a pedido do produtor Walter Silva, mais conhecido com Pica-Pau. O dramaturgo selecionava canções para a novela que escrevia, quando ouviu Pavão Mysteriozo, uma das faixas do álbum de Ednardo, e ficou vidrado na música.

O cantor lembra que se preparava para um show na sua terra natal, Fortaleza, quando escutou pela primeira vez a sua canção na abertura de Saramandaia (1976). Ficou naquele momento sabendo que sua música havia entrado na novela, que depois se tornou um dos maiores sucessos da teledramaturgia do país – Pavão Mysteriozo foi pelo mesmo caminho e virou uma das músicas mais ouvidas daquela turbulenta década.

“A fome ensina a gente a caçar. A gente viu que a situação estava feia. Foi a época das metáforas. A gente falava por meio das metáforas. E o público entendia”, diz em entrevista a CartaCapital. “Pavão Mysteriozo era uma metáfora contra a ditadura: Pavão misterioso/ Pássaro formoso/ Um conde raivoso/ Não tarda a chegar/ Não temas, minha donzela/ Nossa sorte nessa guerra/ Eles são muitos/ Mas não podem voar.”

Antes de lançar Pavão Mysteriozo, Ednardo participou com a música Bip Bip, em parceria com Belchior, da 7ª e última edição do Festival Internacional da Canção, que teve até interferência do governo militar no júri. “A Nara Leão [então presidente do corpo de jurados] foi dar uma declaração contra o governo militar e aí os milicos foram em cima”, relembra. A música de Ednardo e Belchior ficou em quarto lugar no festival.

Bip Bip faz parte do álbum recém-lançado por Ednardo, Sarau Vox 72. O disco foi gestado a partir de uma gravação de 1972 feita pelo cantor em voz e violão, antes de deixar sua terra natal para tentar a sorte no Rio de Janeiro.

Para se mudar, ele largou o curso de engenharia química dois meses antes de se formar, além de um bom emprego na Petrobras. “Minha mãe quase enlouqueceu. Meu pai perguntou: ‘Meu filho, o que acontece nessa cabeça?’. Meu negócio é música. Vocês me deram um piano quando eu tinha de 5 a 6 anos. Eu comecei a gostar, a fazer música. Agora que quero seguir a carreira, vocês não podem chiar”, relata o impacto em casa com os novos rumos na vida. 

O pai de um grande amigo de Ednardo chamado Gerardo era dono de uma loja de discos e material sonoro, que vendia radiola e gravador, na capital cearense. O companheiro então propôs ao músico de fazer uma apresentação de despedida com as músicas que normalmente ele tocava nas noites de Fortaleza. Assim foi feito, para um “público” de apenas quatro pessoas.

Foram registradas 17 canções em um bom gravador da época. A fita foi preservada por Gerardo, que depois de ouvida pelo produtor Marcelo Fróes foi transforma em disco. No trabalho, Ednardo já mostra muita desenvoltura musical.

Mas há uma característica captada no disco. O repertório é de composições de grupo de artistas em ascensão na época, que depois ficaram conhecidos como o Pessoal do Ceará. 

No Sarau Vox 72, além de Bip Bip, foi registrado Na hora do Almoço (Belchior), Mucuripe (Fagner e Belchior), Paralelas (Belchior), além de canções de Ednardo que só agora viraram álbum.

Ednardo já tocava na noite com Belchior, Petrúcio Maia, Augusto Pontes e Fagner. O movimento do Pessoal do Ceará foi ainda composto por Ricardo Bezerra, Tânia Cabral, Ieda Estergilda, entre outros. Todos os citados estão na lista de autores do álbum Sarau Vox 72 – que revela, na sua essência, um dos embriões do movimento. Fausto Nilo também pertencia ao grupo, assim como Amelinha, que se juntou mais tarde ao pessoal.

Enquanto Engoma a Calça (“Porque cantar parece com não morrer/ É igual a não se esquecer…”) com o compositor Climério, Beira Mar, Carneiro (com Augusto Pontes), A Manga Rosa e Longarinas foram outros sucessos de Ednardo.  

Nos dias 1 e 2 de abril, Ednardo apresenta no Sesc Belenzinho, na capital paulista – mais informações aqui – músicas do recém-lançado Sarau Vox 72 e canções de seus trabalhos ao longo da carreira. E ainda composições com novos parceiros, como Zeca Baleiro. 

Ednardo promete lançamento de EPs com músicas inéditas. O primeiro deve sair nas próximas semanas.

Assista a entrevista de Ednardo a CartaCapital na íntegra:

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