Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

Augusto Diniz | Música brasileira

Da medalha no Pan do Rio a sambista com milhões de acessos no Spotify

Depois de desfilar em carro aberto com o bronze no peito e antes de se tornar músico, Vinny Santa Fé foi pedreiro, mecânico e garçom

Reprodução
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Vinicius Souza foi medalhista (bronze) nos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro em 2007, na modalidade caratê até 70 kg. Tinha apenas 21 anos. Depois de um persistente problema no joelho, não conseguiu ter rendimento necessário para continuar a carreira de atleta.

Aos 26 anos, foi para o mercado de trabalho, “ter uma vida comum”, como disse, algo que não tinha desde a adolescência por conta dos compromissos com o esporte. “Aí foi duro”, resume.

Depois que parou o caratê, Vinicius Souza tentou de tudo: foi ajudante de pedreiro, de serralheiro, de mecânico. Vendeu também quentinha na rua. Tentou como professor de caratê, mas como era um programa criado antes da eleição, depois do pleito o projeto acabou. 

Foi ainda garçom. “Garçom é um cara humilhado”, resume. A sua saída desse trabalho se deu após arremessar a bandeja no cliente por conta de um entrevero. 

“Tentei me encaixar no mercado de trabalho. Vi que não era minha. Não queria ser tratado daquele jeito. Assalariado é muito humilhado. Não aceitava isso”, afirma. “Era rebelde, orgulhoso”, reconhece.

Nesse período de penúria e mais difícil da vida que levou cinco anos, morou de favor na casa de amigos.

Baixada Fluminense

Souza nasceu na Vila São Luis, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Começou no caratê aos 6 anos de idade por incentivo do padrasto, que era professor do esporte. Com 12 anos, passou a disputar campeonato e com 14 chegou à seleção brasileira. Foi campeão Pan Americano na mesma época ainda nas categorias de base. 

O ápice foi nos Jogos Pan-Americanos de 2007 no Rio de Janeiro, com a conquista da medalha de bronze. “A medalha só trouxe reconhecimento. O esporte amador no Brasil é muito precário”, diz.  

Um ano antes de levar a importante medalha, Vinicius teve todo apoio do Comitê Olímpico Brasileiro, com nutricionista e psicólogo. Quando passou o Pan-Americano, ainda teve um ano de patrocínio. “Mas, no outro, o pessoal já esquece. Brasil é assim, memória curta. A gente já sabe e fica preparado para isso”, afirma.

No tempo de atleta, além de competir em vários países, morou em diversos lugares do Brasil por conta de contratos com diferentes equipes.

Em um período de 2008 ainda competia em alto nível, mas quando se preparava no mesmo ano para uma viagem ao Japão, um problema no joelho e também briga política com a federação, não diretamente com ele, mas com a equipe, foram o início do fim de sua carreira profissional. 

“Fiquei de fora por causa do joelho e aí não conseguia voltar. Com o patrocínio acabando, não tinha grana. Meu rendimento começou a cair muito, comecei a perder”, recorda. “Aí decidi que não queria passar mais isso e fui parando. Foi muito triste essa fase”. 

Novos rumos

Um dos últimos trabalhos do período tenebroso pós-atleta foi numa loja da Chilli Beans, na Oscar Freire, em São Paulo. Um amigo era gerente do estabelecimento comercial e o convidou para ser vendedor. 

“Hoje eu entendo. Era tratado com um rei (na época de atleta profissional). Desfilei em carro de Bombeiros (no bairro onde nasceu em Caxias), com a medalha (do Pan-Americano de 2007) no peito. E depois fui tratado como todo mundo é”, expõe. 

Morando em São Paulo, passou a ter contato com o samba, frequentando casas do gênero. Certa vez, quando disse que era filho de Bira da Vila, o pessoal do samba arregalou os olhos. “Mas eu disse, quem é foda é ele”.

Bira da Vila tem álbuns lançados e é compositor de mão cheia, com músicas gravadas por Jovelina Pérola Negra, Beth Carvalho, Zeca Pagodinho, entre outros. 

O filho do sambista então passou a dar canjas em rodas e a tocar percussão. Mas resolveu reaproximar de suas origens. Voltou para o Rio, encontrou uma ex-namorada, com quem acabou tendo uma filha, mas a união acabou. Tentou se inserir no mercado de trabalho de novo, sem sucesso. 

“Aí comecei a tocar por 100 reais ali, outros 100 reais lá. Quando vi, estava subsistindo da música”, rememora.

Nesse passo, começou a compor um tanto sem saber o que faria com isso. “Sonhava com uma música pronta. Não sabia nem como cantava. Como minha família é de músicos, fui aprendendo tom (musical). Não levava muita fé, mas diziam que a música era boa”, menciona.

Numa ida a um projeto de novos compositores em um bar da Lapa, no Rio, apresentou o samba seu em letra e melodia Castelo de um Quarto Só. Na outra semana, ele conta que “todo mundo estava cantando sua música”, impulsionada não só pela apresentação na semana anterior, mas o fato de ter a colocado em um grupo de compositores de WhatsApp. 

Renato da Rocinha acabou gravando a música no DVD que comemora 10 anos de carreira. Foi música de trabalho do álbum. Foi um enorme sucesso e o samba acumula milhões de acessos nas plataformas de música.

Na época, Souza ainda vivia uma situação financeira difícil. Daí, resolveu cantar profissionalmente – e deu certo. “Não escolhi a música. A música já estava ali. Eu que não estava vendo”, resume.

Temas sociais

A letra de Castelo de um Quarto Só referencia a casa onde o artista nasceu e viveu até os 15 anos na Vila São Luis, em Duque de Caxias. Ele chegou a viver lá também quando esteve na pior, com o lugar sem luz e sem água. Diz a letra: “O meu castelo tem um quarto só / E amianto pra cobrir minha cabeça / Meu guarda roupa é feito de uma só gaveta / E mora lá, o passarinho verde da esperança”.

A casa na Vila São Luis ainda existe, mas não tem nem condição de alugar. Ele sonha um dia reformá-la.  

As composições de Vinicius Souza, ou melhor, Vinny Santa Fé, seu nome artístico, são carregadas de citações de questões sociais. A canção que se tornou sucesso na voz Renato da Rocinha é um relato de uma vida sofrida. 

“A minha música nada mais é como eu enxergo o mundo, a minha vida, a vida dos outros, o cotidiano”, afirma. Alguns grupos de pagode pediam para gravar suas músicas e ele não entendia bem o motivo: “Achava que não era a cara deles porque eles só tocam músicas que falam de amor”.

Pauperrecido

Uma música sua com tom também social, interpretada por ele mesmo e que tem quase 7 milhões de acessos só no Spotify, é Pauperrecido, lançada em 2020. Diz o início da letra: “Você pode ser pobre de marré/ Paupérrimo, pauperrecido, de dinheiro desprovido/ Proletariado brasileiro, um cara bem sofrido/ Bom de fazer limonada com o limão que a vida dá”.

Ele próprio conta sobre a música: “É a minha crença. A gente pode ser o que quiser. Somos educados para achar que não pode. Cresce pobre, fodido, numa escola de merda. As pretinhas como você tem que alisar o cabelo, porque não pode ficar solto. Descobri que não é assim”. 

No Dia da Mulher, Vinny lançou a música Criola, que referencia sua mãe, que foi quem o criou. “Fui fazendo um filme da nossa vida, da nossa convivência, da minha infância, do que a gente passou”, conta.

Desde que se decidiu jogar no samba, há cinco anos, Vinny ganhou reconhecimento como compositor e cantor. Tem agora uma agenda de shows robusta.

Em fevereiro, gravou um DVD numa praça do bairro onde nasceu, a Vila São Luis. O registro, que vai ser lançado no meio do ano, tem participação do pai Bira da Vila, incentivador e quem primeiro o mostrou em detalhes o mundo do samba, Jorge Aragão e Sombrinha.

Ele atualmente está reformando um apartamento que alugou para morar na Zona Norte do Rio. Está se preparando para o que vem pela frente. “No Brasil as coisas são mais difíceis, mas a gente pode fazer o que quiser”, conclui.

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