Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

Augusto Diniz | Música brasileira

Brasileiro imortal, Nei Lopes completa 80 anos: ‘Brasil mudou para pior’

Grande estudioso da diáspora africana no Brasil faz aniversário nesta segunda 9 com legado em livros e discos; sambistas fazem homenagem

Foto: Bruno Veiga/Divulgação
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Um brasileiro que já deixou na música e na literatura um profundo lastro de saber sobre a história negra no Brasil completa 80 anos nesta segunda 9. Seu nome: Nei Lopes.

“Acho que o que tenho feito pode ser uma linha de atuação. Eu coloco toda a minha força vital no que me conforta e engrandece meu espírito, e que acho que pode se constituir em um legado”, afirma.

O escritor, pesquisador e compositor completa mais um ano de vida com 44 livros publicados e dez discos autorais lançados, quase tudo produzido dentro do contexto histórico social, cultural e religioso da diáspora africana no Brasil. Uma obra essencial.

O curioso é que Nei passou a vida tendo que explicar às pessoas exatamente o que ele hoje mais representa.

“A pergunta que mais me fizeram até aqui foi sobre como eu me vejo e classifico do ponto de vista étnico-racial. Na infância e na adolescência, eu achava depreciativo ser oficialmente classificado como pardo”, conta.

“E isso porque todo mundo associava essa cor à da maioria dos envelopes da burocracia, que varia do amarelado ao quase marrom. Afinal, eu sou ‘Lopes’ mas não era ‘envelope’”, relata aos risos.

Até que, “por força da militância”, pelos anos 1980, lembra, o IBGE adotou a classificação “negro” para abranger os pretos e pardos: “Ou seja, unificou os afrodescendentes”.

Para ele, a classificação não é perfeita, “mas do ponto de vista político melhorou muito, pois acabou com aquela infinidade de classificações declaradas nos censos: mulato, moreno etc.”

Nei Lopes descreve que a mudança “foi decisiva para que se soubesse melhor quem são, quantos são e onde estão, no Brasil, os excluídos, mais necessitados de políticas públicas de reparação ou pelo menos diminuição das desigualdades”.

E segue: “Inclusive para evitar que se ouça, como ouvi em 2019, um ministro da república dizer que no Brasil ‘não existe povo negro’ e sim ‘brasileiros de cor escura’. Pois existe, sim! E já constitui mais de metade da população.”

O estudioso diz que o “Brasil como um todo mudou pra pior, e muito”. Culpa a conjuntura política e não tanto o vírus da pandemia.

“Do ponto de vista das pessoas alguma coisa certamente mudou, pelo isolamento; pelo alargamento do fosso que separa os mais pobres dos mais ricos; pela potencialização dos defeitos em uns e das virtudes em outros”, analisa os últimos anos.

Fato que mudou a vida

Nei diz que nesses 80 anos uma fatalidade mudou sua vida. “Em 1981, perdi o mais novo de meus dois filhos, que tinha completado 4 anos na véspera, em um acidente no mar. A partir daí, depois de muito sofrimento, minha vida tomou outro rumo, felizmente pra melhor. Tudo o que produzi de mais significativo começou aí. Este tem sido meu caminho”, revela.

No ano anterior a tragédia, foi lançado um dos mais emblemáticos discos da música brasileira: A Arte Negra de Wilson Moreira e Nei Lopes.

Depois, vieram outros discos, mas deu-se início principalmente a construção de uma densa obra literária, incluindo Novo Dicionário Banto do Brasil (1999), Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana (2004), Dicionário da História Social do Samba (com Luiz Antônio Simas; 2015), além de livros de poemas, contos e ficção.

Livros e álbuns no ano de aniversário

Neste momento, está chegando às livrarias o 2º volume do Dicionário de História da África (séculos XVI-XIX), escrito em parceria com o professor José Rivair Macedo, da UFRGS, complementando o 1º volume (séculos VII-XVI), lançado em 2017, pela editora Autêntica.

A sair também no ano em que completa 80 anos, Nei Lopes lança o infanto-juvenil As Viagens de Simba Jazíri (Globo Livros), ambientado nas águas do Oceano Índico, de Moçambique a Zanzibar, passando por Madagascar, e ilustrado por Marcelo D’ Salete.

Prevista para novembro, sairá a biografia de Nei Lopes escrita por Luiz Antônio Simas, Diogo Cunha e André Diniz, pela Numa Editora.

Por fim, ainda na literatura, virá o Academia de Letras, livro organizado pelo cineasta Marcus Fernando, contendo cerca de 350 letras de canções, gravadas e inéditas, de Nei Lopes, com e sem parceiros, desde 1981.

“Todas elas acompanhadas de glossário (fundamental, pela vasta utilização de termos nem sempre usuais) e contextualização (como, quando e porquê foi escrita; quem é ou foi o parceiro e quem gravou), além de outras informações importantes, tanto pelo aspecto histórico quanto fonográfico”, conta o próprio Nei Lopes sobre a obra. A edição é da Contracorrente.

O título Academia de Letras é uma homenagem à escola de samba Acadêmicos do Salgueiro, a qual o sambista Nei Lopes é ligado desde 1962. “Temos também em produção um livro de poemas: Oitentáculos”, cita.

Nei Lopes ganhou o título de doutor honoris causa conferido pela UERJ em cerimônia realizada em 28 de março; receberá em 14 de junho o mesmo título pela UFRJ, pela qual formou em Direito em 1966.

A cantora Fabiana Cozza ainda grava músicas inéditas de Nei Lopes, com ou sem parceiros. Um EP a ser gravado na voz de Nei, com seis sambas igualmente inéditos, está programa para sair com produção e arranjos de Thiago França.

Um show com intérpretes de músicas de Nei Lopes – há um punhado deles no samba e na MPB – também está sendo programado.

Enfim, ano a altura para esse brasileiro que já se tornou imortal.

Homenagem a Nei Lopes

Em homenagem aos 80 anos de Nei Lopes, um grupo de sambistas ligados ao movimento do samba de São Mateus, na zona leste de São Paulo, liderado por Yvison Pessoa, produziu um videoclipe para homenageá-lo com música inédita e imagens do artista.

O projeto tem o nome de Nei Lopes, Poeta das Canções! (composição de Yvison Pessoa, Milbé e Gerson da Banda) e conta com direção audiovisual de Di Scapino. A arte da capa é do Grupo Opni (Nego Todd e Val) e arte gráfica (finalização) de Bento Andreatto.

Músicos: Everson Pessoa – violão de 6 e de 7, cavaco bandolim, tenor, contrabaixo, arranjos, regência do coro e direção musical; Victor Pessoa – piano; Leandro Mattos – cavaquinho; Miguelito – surdo; Gerson da Banda – tantan, repique de mão, repinique, caixa, tamborim, atabaque, ganzá, chocalho, agogô e cuíca; e Yvison Pessoa – pandeiros, tamborim (base), caixa, reco reco, congas e bateria.

Coral e palmas: Graça Braga, Jurema Pessanha, Dulce Monteiro, Ronny King, Maurinho de Jesus, Jéssica Américo, Marco Matolli, Jônatas Petróleo, Roberta Gomes, Anderson Tobias, Robson Capela e Dri Lima.

O projeto tem lançamento no dia do aniversário de Nei Lopes, 9 de maio, mas já existe no um making of emocionante sobre a homenagem:

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