Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

Augusto Diniz | Música brasileira

Áurea Martins, 82 anos, mergulha em rezas e crenças num refinado disco

Cantora coloca sua voz em profundo álbum que referencia as tradições, a oração e a fé

Foto: Sérgio Caddah/Divulgação
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Senhora das Folhas, novo álbum da cantora Áurea Martins, 82 anos, é um profundo trabalho. O disco de 11 faixas trafega de forma refinada e embasada nas nossas tradições menos óbvias, mas resistentes, como das benzedeiras. 

O álbum vai buscar temas ligados à ancestralidade, à oração e à fé, boa parte relacionada às mulheres. São canções selecionadas a dedo, que Áurea Martins traduziu com plenitude, com sua voz madura, talhada pelo tempo.

O trabalho abre com um canto breve de apelo às chuvas das Cantadeiras do Souza, da capital mineira do folclore Jequitibá, sequenciado por Áurea Martins interpretando a canção O Ramo (Socorro Lira), referenciando o apanhado de folhas sagradas usadas pelas rezadeiras em seus trabalhos de cura.

Na faixa dois, Prece do Ó, uma reza tradicional recolhida por Cassiano Ricardo, de louvação ao santo africano Antônio do Categeró, cultuado na igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos na Bahia. A cantora resgata a ancestralidade em ritmo quase pastoril.

Na sequência, um rap conhecido de Projota, A Rezadeira, o qual Áurea faz duo com Moyseis Marques, dando outra perspectiva sonora, mais bela e calma, a uma letra realista da periferia: “E ela teve que te ver neguin’, sangrando no chão/ Ela tentou te socorrer, mas um pronto socorro não/ Ela atravessou o isolamento, sem caô/ Eu vi quando ela empurrou um policial e ajoelhou/ Vi também ela chorando no seu sangue/ Gritando um tal senhor/ Cantando alto e claro aquele bonito louvor.”

Na quarta faixa, o canto de André Gabeh abre para encontrar com os tambores e a voz de Áurea na canção de domínio público Sem Folha Não Tem Orixá. Em Folha Miúda/ Menino do Samburá, samba de roda de Roque Ferreira, Áurea trafega com desenvoltura.  

Depois, a cantora interpreta parte da canção Ponto das Caboclas (Camila Costa) em que celebra personagens mulheres do universo indígena.

Poema

Segue o álbum com o tema referenciando os indígenas e a proteção à natureza. Áurea declama dramaticamente o poema Vô Madeira, da poetisa Julie Dorrico, do povo Macuxi. Ela e André Gabeh, na mesma faixa, interpretam um canto da etnia Parakanã chamado Araruna (Nahiri Asurini e Marlui Miranda). 

A oitava música do álbum volta ao ritmo quase pastoril. Senhora Santana é um bendito de origem medieval em louvor à Santa Ana, com a participação novamente das Cantadeiras do Souza. Áurea se porta grandiosa. 

Na nona faixa, Áurea canta a música Me Curar de Mim da revelação pernambucana Flaira Ferro: “O ser humano é esquisito/ Armadilha de si mesmo/ Fala de amor bonito/ E aponta o erro alheio”. Canção de evocação a si, na qual a cantora agrega ao tom gravado por Flaira a maturidade da voz.

Com introdução de Vó Joaquina, rezadeira do Sertão de Pernambuco, Áurea interpreta o samba Na Paz de Deus (Arlindo Cruz, Sombrinha e Beto Sem Braço). Aqui, Áurea se sente absolutamente em casa, assim como em Banho de Manjericão (Paulo César Pinheiro e João Nogueira), a faixa que fecha o disco Senhora das Folhas – que já entra na lista dos melhores de 2022.

A direção artística e idealização do projeto é Renata Grecco, com direção e produção musical de Lui Coimbra. O álbum, que está saindo pela gravado Biscoito Fino, foi realizado com patrocínio da Natura Musical.

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