Augusto Diniz | Música brasileira
Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.
Augusto Diniz | Música brasileira
Alessandra Leão tira a percussão da ‘cozinha’ e a leva ao seu devido lugar: a frente do palco
Cantora, compositora e percussionista impõe a força dos tambores na música. Trabalho tem o histórico instrumento como eixo central


No meio da música, o termo “cozinha” é utilizado para definir os instrumentos que dão base rítmica em um show ou uma gravação, tendo a percussão como principal representante. Em geral, ficam no fundo do palco e não raro são tratados sem a importância devida.
Há, contudo, artistas que colocam a percussão na linha de frente e têm o instrumento como elemento essencial de seu trabalho. A pernambucana Alessandra Leão, com três EPs e seis álbuns – sendo um deles o Macumbas e Catimbós, indicado ao Grammy Latino em 2019 -, é um caso maiúsculo dessa representação.
“Quando comecei a tocar, foi na percussão, sobretudo com ilú, que é um tambor que a gente usa nos terreiros em Pernambuco”, conta a cantora, compositora, percussionista e produtora.
“Minha escola musical é muito percussiva, de tradições sobretudo de Pernambuco, Paraíba, Alagoas, que são muito percussivas. Então, para mim, tem naturalidade sonora a percussão à frente, não como mero acompanhamento.”
Alessandra explica que nas tradições do terreiro, o tambor é uma entidade, não um acompanhamento. “E a música não é um acessório ao ritual, ela conduz o ritual”, diz.
“As tradições do terreiro extrapolam suas fronteiras e passam para os terreiros das ruas, os terreiros do maracatu, os terreiros dos caboclinhos, os terreiros de coco, os terreiros de sambada. A percussão é estruturante da música brasileira.”
Para ela, mesmo quando não está em destaque, a percussão aparece no jeito de tocar violão e no que se pensa ritmicamente da canção. “É o grande eixo da música brasileira”, define. Ainda assim, a percussão sofre para ter seu devido reconhecimento na história.
“Reflete-se na percussão o que acontece na sociedade. Essas músicas de tradições são feitas em sua maioria por pessoas mais pobres, em sua maioria negras e indígenas ou seus descendentes. Além disso, as religiões de matriz africana no Brasil sempre foram e seguem sendo marginalizadas”, avalia. “E aí fazem com que sejam apagadas, silenciadas.”
Alessandra Leão é da geração de percussionistas mulheres surgidas em paralelo ao movimento do Manguebeat.
“Começamos a tocar percussão em lugares que normalmente não eram muito permitidos às mulheres”, afirma. “Aos 16 anos, quando o movimento Manguebeat começa a ferver, conheci o pessoal do Mestre Ambrósio e comecei a ir com eles na Zona da Mata Norte (Pernambuco), que é uma região do estado muito rica culturalmente. Essa foi a minha grande formação, não só artística, não só estética, mas de vida.”
O contato com a cultura popular se fortaleceu ao longo do tempo, permitindo que Alessandra Leão desenvolvesse uma importante iniciativa em torno dessa experiência.
Em 2021, a percussionista lançou o projeto Acesa, que envolve um disco e uma websérie de 15 episódios na qual mostra seus encontros com mestras, mestres, músicos e líderes religiosos, em sua maioria da Paraíba e de Pernambuco, ligados às tradições de coco, ciranda, maracatu de baque solto, jurema, umbanda e candomblé.
Até hoje Alessandra Leão promove shows em torno desse projeto. Além disso, realiza há um ano e meio um show em que divide o palco com mestre Sapopemba. “Uma parceria maravilhosa. Sapopemba é um grande conhecer da música brasileira. Um artista imenso”, celebra. Desse encontro será produzido um EP neste ano.
No fim de 2023, Alessandra lançou a canção Não me Contento, com Verônica Ferriani. Em 2024, também produz o disco de Odete de Pilar, mestra de coco de roda e ciranda.
Assista à entrevista de Alessandra Leão a CartaCapital:
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