Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

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Álbum póstumo de Elza Soares tem tom político afiado e arranjos potentes

‘No Tempo da Intolerância’ traz lado compositora, gravação de música inédita de Rita Lee e críticas atuais

Foto: Daryan Dornelles
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No mais novo álbum póstumo de Elza Soares, No Tempo da Intolerância (Deck), Elza Soares reúne em dez faixas negritude, empoderamento, preocupação, enfrentamento e uma voz marcante. É a cantora na forma plena em que foi eternizada.

Gravado um ano antes de sua morte, o disco traz reflexões nas letras e potentes arranjos. A abertura é uma demonstração contundente da proposta do projeto.

Elza Soares recita o tema Justiça, gravado ainda antes do seu último álbum em vida, Planeta Fome (2019). Trecho inicial: “Um dia eu sonhei que teria um país melhor e teria um momento menos cruel do que aquele de 1970, que eu conheci muito bem, foi muito amargo”. A abertura escancara o que se materializaria no governo Bolsonaro.

Na sequência, a faixa-título, de Elza Soares, Pedro Loureiro, Jefferson Junior e Umberto Tavares. A cantora ainda assinaria mais seis canções – as três seguintes, inclusive, ela compôs com os mesmos autores da faixa-título.

No Tempo de Intolerância, a discórdia: “Se você quer um inimigo/ É só falar o que pensa”. A seguir, Pra Ver se Melhora (“A fome tem pressa, mas a grana não sobra…”) e Coragem (“Eu nasci pobre, preta, da cor na noite…”) – duas canções autobiográficas.

Embora com temáticas da miséria e do racismo, a levada não é melancólica ou de dor, mas com programações, arranjos caprichados de sopros e cordas, percussão na medida e som de guitarra. O disco segue essa sonoridade atualíssima até o fim – e evita queda à tristeza em meio às letras de relatos das nossas mazelas. Mérito do talentoso produtor Rafael Ramos.

No bolerão Te quiero, a mulher dona de si. De Rita Lee e Roberto de Carvalho gravou a inédita Rainha africana, que veste bem Elza Soares, com as tiradas da paulistana recém-falecida sobre a cantora: “Sendo uma guerreira/ Que passou a vida inteira/ Vista como nega maluca/ Uma preta lelé da cuca”.

A seguir, vem à luta, composta com a jovem e talentosa baiana Josyara, Mulher pra Mulher (A Voz Triunfal).  De outra baiana, Pitty, recebeu para gravar Feminelza, a mulher independente e libertária: “Quem você pensa que é pra dizer a alguém que pode parir/ Onde ela deve ou não deve ir?”.

Da pernambucana Isabela Moraes gravou Quem disse, com texto de abertura – na voz do MC WJ – retirado do filme Poesia Marginal. Elza entra depois, cantando: “Quem disse/ Que pobre sofre mais/ Não sabe/ Nem bem o que ele diz…” Na composição, a pobreza desconhecida e a riqueza exaltada.

Por fim, No Compasso da Vida, letra de Pedro Loureiro e Elza Soares e melodia de D. Ivone Lara, uma pérola extraída do baú da cantora. É o caminhar de duas damas (D. Elza e D. Ivone) no qual o samba – sempre ele – dá voz à resistência.

Elza Soares deixou mais um trabalho musical admirável com No Tempo da Intolerância.

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