A Redoma de Livros por Clarissa Wolff

“Tudo o que nunca contei” e as relações familiares

Celeste Ng fala de imigrantes, família, e sonhos frustrados

Foto de Prateleira de Ideias
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Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes são infelizes cada uma a sua maneira. Roubo Tolstói e as primeiras linhas que ele escreveu em Anna Karenina para começar esse texto. Tudo o que nunca contei, de Celeste Ng, é sobre essa região nebulosa entre as famílias que são felizes e as que não são, e fala justamente sobre aquelas que querem a todo custo ser e não conseguem.

É também uma história sobre sonhos frustrados pela visita cruel do tempo, roubando aqui o título da obra-prima de Jennifer Egan. Roubo da literatura porque é difícil definir um tema só para Tudo o que nunca contei: de forma fácil, ele é suspense, quer nos prender às páginas tentando descobrir o que aconteceu com a menina Lydia, mas esse é só o papel de presente. É rasgando o papel brilhoso que entramos nas profundidades de uma história triste e densa sobre fazer coisas erradas pelos motivos certos, um tema tão universal da literatura.

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TUDO O QUE NUNCA CONTEI, Celeste Ng

Tradução de Julia Sobral Campos

Intrínseca, 2017

304 páginas

R$44,90

 

Acompanhamos Marilyn na ansiedade de finalmente ter a coragem para buscar a vida que sempre quis. Mulher, família tradicional americana, todas as peças do seu quebra-cabeça pessoal formavam uma imagem a que ela não queria corresponder.

Sabemos que sua ambição é frustrada desde o começo, não entendemos por quê. E esse amor tão lindo de mãe, essa ambição transmitida para a filha, esse compromisso em fazer da filha feliz como ela mesma nunca poderia ser – cada uma dessas boas intenções foi um prego no caixão que enterrou a menina.

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O pai, peça central na história, é imigrante. Junot Díaz escreve sobre a dualidade de ser imigrante jovem nos Estados Unidos e a vida sem pátria: o retorno ao lugar em que nasceu o leva a uma cultura distante a que ele não pertence, mas a existência no país em que vive deixa de fora peças necessárias de sua construção.

Em Tudo o que nunca contei, cada um desses sentimentos de não pertencimento é elaborado em uma teia de preconceito racial. Quando ele penetra Marilyn pela primeira vez, ela que é a imagem perfeita dos Estados Unidos, sente (finalmente) a aprovação que ansiou a vida inteira: “Era como se a própria América o recebesse dentro de si”.  

Tudo o que nunca contei é assim, de uma narrativa simples, gostosa, com algumas poucas frases de efeito, como essa descrita acima. Merece o tempo, a reflexão, e o questionamento sobre o quanto as nossas intenções, na verdade, não valem absolutamente nada.

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Aos leitores interessados, acabo de lançar na Bienal do Livro de São Paulo meu primeiro romance pelo selo Verus do Grupo Editorial Record, “Todo mundo merece morrer”. Sinopse: Um crime no metrô da linha verde de São Paulo conecta treze vidas, treze personagens sintomáticos dos tempos modernos que vivem dentro de suas próprias certezas incontestáveis. Mas este grupo heterogêneo tem mais em comum que o fato de ter presenciado um assassinato no vagão. Para além das aparências, todos eles escondem um caráter duvidoso. Saiba mais aqui.

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