A Redoma de Livros por Clarissa Wolff

Luisa Geisler: “queria um livro movido por perguntas”

Novo livro da autora é um mosaico que nos leva a Dublin para discutir temas que se sentiriam em casa em qualquer lugar

Dublin é o cenário do novo livro de Luisa Geisler
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Um manual de escrita que virou ficção, ou uma ficção aconchegada em um manual de escrita moderninho. O novo livro de Luisa Geisler é um mosaico narrativo que nos leva a Dublin para discutir temas que se sentiriam em casa em qualquer lugar do mundo: família, amigos, relações humanas.

E abandono, o que é evocado de forma magistral nas páginas (às vezes vazias) desse livro. O romance mais experimental da autora pode ser considerado bastante pretensioso: ele se pretende muito. E ele consegue ser tudo o quer.

Leia abaixo a entrevista com a autora.

 

Redoma de Livros: Por que você decidiu escrever no formato de manual de escrita?
Luisa Geisler: Mais do que no formato de um manual de escrita, queria um livro movido por perguntas. O próprio texto dentro do manual traz perguntas em relação à narrativa. Por exemplo, por que Maria Alice lista o próprio pai como personagem se ele quase nunca aparece? O manual de escrita, por mais que seja não-ficção, também é uma ficção. Ele só existe porque existe uma ficção dentro dele. Ele existe para isso.

 

RL: Você leu muitos livros sobre escrita e/ou frequentou oficinas? Qual foi sua experiência?
LG: Sim, diversos livros. Alguns estão listados nos agradecimentos, como o Os segredos da ficção, de Raimundo Carrero; Aulas de literatura. Berkeley, 1980, de Julio Cortázar; Como escrever e ler uma sentença, de Stanley Fish; Sobre a escrita, de Stephen King; Para ler como escritor, de Francine Prose; Decálogo do perfeito contista, de Horacio Quiroga; Como funciona a ficção, de James Wood e The Art of Subtext: Beyond Plot, de Charles Baxter.
A ideia do manual nunca foi que ele fosse entendido com seriedade, como um manual de fato. Minha experiência com oficinas sempre foi muito positiva. Acredito que a pessoa cresce dentro da habilidade que tem naquele momento, da oficina, sabe? Tipo cachorros que ouvem decibéis específicos que humanos não ouvem. Foi meu jeito de começar a me relacionar com o texto de uma forma profissional e hoje, lecionando oficinas, vejo que são espaços importantes.

 

RL: As perguntas do manual, a partir de algum ponto, perdem a ligação óbvia com o texto que vem como resposta. Por quê? Como foi o processo de pensar nessas perguntas e nas respostas?
LG: Elas perdem a ligação óbvia porque o livro se torna menos óbvio, acho eu. No começo, por ser um livro mais hermético, vi a necessidade de dar mais pistas para o leitor. Depois que o leitor entrava um pouco mais na história, deixei que ele mesmo procurasse as respostas menos óbvias.
Não são só as perguntas: é mais minha confiança com o leitor e a relação que ele estaria formando com o livro.
Pensar as perguntas foi um processo bastante divertido, confesso. Às vezes, na releitura, mudei perguntas de lugar por achar que havia uma relação maior ou menor com a resposta dada. Muitas delas foram pensadas por eu querer falar de um tema X, mas outras foram porque precisava fechar os 366 dias. Na maior parte do tempo, as respostas já existiam. As perguntas vieram por último, como nomes de capítulos.

 

RL: Como foi a transição de conto pra romance? O fato de ser uma narrativa fragmentada facilitou o processo de escrita?
LG: De certa forma, não acho que “saí” do conto, porque não penso muito em gênero. Há diversos trechos no De Espaços Abandonados que claramente são contos, com começo, meio e fim. E isso já aconteceu com meus outros romances, o Quiçá e o Luzes de Emergência se Acenderão Automaticamente. Acho que minha mente funciona fragmentada, na verdade. Percebi que separar gêneros não funciona para mim, não me ajuda em nada no momento da criação. Chamo de romance porque é mais fácil, a ideia toda vende melhor, mas parou de ser uma grande preocupação.

 

RL: De onde vêm as suas ideias? Inspiração, trabalho, musa ou ser superior?
LG: Um pouco de tudo. Gosto de pensar em personagens, em mudar meu jeito de pensar e ponto de vista. Hoje em dia estamos cada vez mais fechados nas nossas bolhas de opiniões semelhantes; falta às vezes um pouco de generosidade de não achar que uma pessoa que pensa diferente de nós não é completamente maluca.
Existe um raciocínio lógico (ou que parece lógico) por trás de cada pessoa. A partir disso, gosto de pensar em personagens, em histórias que justifiquem suas decisões, por mais erradas que me pareçam. Essa seria a inspiração, no caso. Depois, eu estruturo muito, planejo muito, coloco prazos. Não gosto de começar a escrever sem saber onde vou parar, sem ter uma ideia do caminho. 

 

RL: Você é uma autora Granta que foi duas vezes vencedora do Prêmio SESC. Como você acha que isso influenciou a sua aceitação como mulher e escritora jovem no meio literário brasileiro que, sabemos, é bastante fechado?
LG: Comecei a publicar com 20 anos e tinha uma visão mais ingênua do mundo literário. Eu achava que as pessoas “do Meio Cultural” seriam de alguma forma mais moralmente superiores, sabe? Olha as ideias. Então não reparava nisso tanto. Pra mim, ser assediada era o que acontecia com todo mundo. Ouvir que “escrevia como um homem” era um elogio para todas as mulheres. A ideia de feminismo foi crescendo na minha mente por outros temas — estudei Ciências Sociais por algum tempo, então pensava nas grandes questões de feminicídio e participação política.
E nisso me dei conta de que essas microagressões que eu sofria estavam ligadas à manutenção de uma diferença estrutural. Então logo que comecei, eu não reparei nisso, eu não tinha os referenciais para identificar essas coisas. Eram só parte do trabalho. Eu me dei conta que eram machismo tempos depois. Isso que ainda sou branca. Claro que a Granta e o Prêmio SESC foram essenciais para me posicionar como autora, e tenho certeza que teria sido um tratamento bastante diferente sem os prêmios.

 

RL: Você morou em Dublin e também escreve, e a auto-ficção é um tema bastante presente na literatura hoje. Quais são os limites de ficção e realidade nesse romance?
LG: Houve muita autoficção no sentido de histórias que ouvi. Alguém me contou algo que aconteceu com um conhecido do irmão. Fui lá e fingi que aconteceu com o protagonista. Preenchi os vazios com o que eu queria, com o que achava que faria sentido, me apropriei dessas histórias que só circulavam pelo ar. Não sei se é autoficção? Meio fanfic da realidade? Meio que nem aquelas mentiras que cresceram demais? Eu te confesso que me apropriei tanto dessas histórias, que hoje não saberia diferenciar todas factualmente.

 

RL: E finalmente: quem você diria que são suas principais referências na literatura mundial e nacional?
LG: Guimarães Rosa, Elvira Vigna, Machado de Assis, Hebe Uhart, Lydia Davis, Siri Hustvedt, James Joyce. Tirei esses nomes da minha cabeça, meio por livre associação, então cada vez que eu dou essa resposta, eles mudam um pouco.

luisageisler

 

DE ESPAÇOS ABANDONADOS, Luisa Geisler

Companhia das Letras, 2018

416 páginas

R$59,90

 

 

 

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