A Redoma de Livros por Clarissa Wolff
“Cat Person” e os relacionamentos de hoje
Autora do conto mais famoso do mundo nos últimos anos publica seu primeiro livro
Em dezembro de 2017, minha linha do tempo de todas as redes sociais só falava de um conto publicado na New Yorker naquele mês: “Cat Person”, de Kristen Roupenian. Logo veio a notícia de que a Companhia das Letras havia comprado os direitos da obra de estreia da autora e agora, no comecinho de 2019, seu livro de contos foi lançado no Brasil.
Com 12 contos que abordam de forma consistente o amor no mundo hiperconectado, a autora mistura sobrenatural à realidade material para discutir consentimento, ego, e os relacionamentos entre homem e mulher. “Cat Person” é, sem dúvida, a joia do livro, e nenhum dos outros contos consegue ter o mesmo poder em traduzir de forma tão poderosa uma verdade difícil de ser explicada.
Há outros contos interessantes, é claro. A história que abre o livro, “Seu safadinho”, é uma dessas. Abordando jogos de manipulação emocional em um estilo que parece ser saído da série “Girls”, de Lena Dunham, é uma narrativa competente.
“O cara legal” é outro desses capazes de mergulhar na essência de uma individualidade que, de forma bastante Rousseauniana, é completamente determinada pelo meio.
A masculinidade tóxica é também vítima de si mesma e a discussão sobre o papel do homem “legal” parece finalmente ter conseguido o resultado que Woody Allen tenta há décadas de forma vergonhosa.
“Cat Person e outros contos”, Kristen Roupenian
Companhia das Letras, 2019
Tradução de Ana Guadalupe
256 páginas
R$ 44,90
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Mas é “Cat Person” que merece os louros. É esse o conto que conseguiu fama internacional, grandes contratos e teorias fantasiosas. E não é à toa.
“Cat Person” detalha a genealogia do encontro definitivo da vida amorosa millennial. Com o apoio de aplicativos de namoro, confusão sexual e uma atração meia-boca, os limites de consentimento são explorados.
Em uma época onde a hashtag #MeToo vira tendência, aparece em músicas de estrelas internacionais e famoso atrás de famoso sofre por escândalos, o termo “má conduta sexual” parece ser necessário como forma de delimitar a diferença entre estupro per se e abuso sexual.
“Cat Person” borra ainda mais esses limites quando coloca um desejo caótico, desorganizado, e ainda não completamente compreendido no meio.
Mas é por meio da tradução perfeita dos papeis de gênero que o choque da realidade dos relacionamentos chega ao clímax: a intimidade desajustada e o sentimento de direito sobre o outro são, talvez, o principal subtexto da história.
Não é um livro perfeito do começo ao fim, mas merece a discussão, a conversa e a leitura. Nem que seja por você também amar gatos.
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