A Redoma de Livros por Clarissa Wolff

“Canção de ninar” e a violência feminina na literatura

Leila Slimani vem para a Flip em 2018 para falar de “Canção de ninar”, novo sucesso sobre violência feminina à la Gillian Flynn

“Canção de ninar”, de Leila Slimani, foi sucesso primeiro na França e depois no resto do mundo.
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Eu lembro dos anúncios em preto, branco e rosa na linha amarela do metrô de São Paulo que exibiam em letras maiúsculas o título “Garota Exemplar”. Eu lembro que fiquei desconfiada do título meio manual de como ser uma boa mulher, e lembro também quando finalmente comprei o livro para ler.

Gillian Flynn não foi a primeira, mas foi a autora mais famosa dos últimos tempos a trabalhar de forma descarada a violência feminina. Psicopatas, serial killers e “mortes por amor” (naquele eufemismo pseudo-poético para feminicídio) infestam a literatura mundial, mas o gatilho fica sempre na mão da homem. Depois de Flynn, várias mulheres assassinas, loucas e sociopatas surgiram e viraram sucesso.

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A mais nova seguidora da tendência é Leila Slimani, que vem ao Brasil este ano para a Flip e escreveu o romance “Canção de ninar”, que foi sucesso primeiro na França e depois no resto do mundo. Pudera: inaugurando o texto com a frase “o bebê está morto”, quem lê se torna refém do livro no ato.

Começar pelo fim pode matar, em parte, o mistério da história, mas também revela que esse mistério não deve ser a mensagem central. A história coloca no palco um casal com filhos, uma mãe frustrada após largar a profissão pelas crianças e que resolve voltar a trabalhar, se tornando uma mãe culpada por trocar os filhos por uma realização pessoal. A solução é uma babá: “contando as horas extras, a babá e você vão ganhar mais ou menos a mesma coisa. Mas, enfim, se você acha que isso pode te distrair…” assinala o marido.

O livro não parece ter qualquer vontade de ser político – mas as discussões se inserem devagarinho, uma ou outra, quando pouco esperamos. A maternidade, o papel da mulher, o que significa ser uma boa empregada doméstica. Por vezes a comparação com “Que horas ela volta” quer surgir, em outras a negligência da filha biológica pelos filhos postiços que ela recebe dos patrões tomam contornos chocantes. 

Quase toda a história se passa em um apartamento pequeno em Paris, e a narrativa nos leva direto para o ambiente sufocante e super populado, com 3 adultos e 2 crianças interagindo. Nos sentimos, por vezes, tal qual a babá – invadindo uma intimidade que deveria ser privada, aos poucos desenvolvendo um conforto para no fim sentir total direito de ser testemunha da vida familiar. Não é à toa que “ela é parte da família”, também repetido no livro, é o clichê mais comum da classe média que decide acatar alguém que limpe sua sujeira.

A loucura parece quase tomar um pano de fundo secundário, livre de caricaturas. A perfeição da babá, inicialmente tão idolatrada pelo casal, deveria ser o primeiro sintoma. Qualquer pessoa que abdica da própria vida e vive a de outro está em desequilíbrio mental – que pode, com certeza, ser causado por situações estruturais de opressão e falta de privilégios. No caso de “Canção de ninar”, a resposta não é tão simples assim.

Aliás, minto: no caso de “Canção de ninar”, talvez não haja respostas. O mistério é calado nas frases iniciais e o resto do texto, espalhado em menos de 200 páginas, é um convite à experiência, ao testemunho de uma dinâmica muito complexa – e também tão comum, tão banal que poderia ser simples.

cancaodeninar CANÇÃO DE NINAR, Leila Slimani

Tradução de Sandra Stroparo

Planeta de Livros, 2018

192 páginas

R$ 41,90

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