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Por que as crianças da Sé estão morrendo?

O distrito lidera o ranking de mortalidade infantil em São Paulo, revela a mais recente versão do Mapa da Desigualdade

Crianças prematuras necessitam de hospitalização e correm maior risco de infecção
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Marco zero da cidade, a Sé sempre atraiu multidões para trabalhar, fazer compras ou buscar serviços públicos. Assim como em outras metrópoles, a completa infraestrutura da região central poderia fazer dali o local ideal para morar e criar os filhos. Os dados da versão mais recente do Mapa da Desigualdade, divulgado  pela Rede Nossa São Paulo, revelaram, porém, um perfil inédito da Sé: a indesejável posição de líder no ranking de Mortalidade Infantil entre os 96 distritos paulistanos.

Em 2016, a taxa chegou a 21,82 óbitos de crianças menores de um ano para cada mil bebês nascidos vivos, mais do que o dobro do ano anterior. Em números absolutos, foram 11 mortes para 504 nascimentos em 2016. O levantamento considerou apenas as mães residentes no local e revelou a forte desigualdade entre os distritos de São Paulo.

A apenas cinco quilômetros do centro, o Jardim Paulista, na Zona Oeste, mostrou quadro oposto, com índice zero de mortes nessa faixa etária, enquanto em Perdizes, na mesma região, foi contabilizada uma morte (dentre 961 nascimentos).

Isso representa uma diferença de 20,97 vezes, de acordo com o “desigualtômetro” mostrado pela Rede Nossa São Paulo. Se comparado a 2013, houve uma piora, pois naquele ano a variação era de 20,31.

“As pessoas sofrem caladas porque ninguém quer ouvir.” Assim, a aposentada e articuladora de saúde da Pastoral da Criança, Neurani Gomes, resume a situação ambiental e de atendimento médico no centro da cidade.

Neide, como é conhecida, realiza visitas de orientação às famílias e participa de conselhos de saúde da prefeitura. Segundo ela, a área central tem muitos cortiços, alguns sem rede de esgoto ou mesmo banheiro. “Um deles tem apenas um buraco no chão, para o uso de quarenta famílias”, revela.

A articuladora conta que nessas moradias degradadas há brasileiros e imigrantes, especialmente peruanos, bolivianos e haitianos. Para ela, os haitianos são os mais afetados pelas más condições ambientais. “Chegaram muitas mulheres grávidas e doentes, com sífilis ou hepatite”, diz.

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A representante da pastoral também comenta que as principais doenças que atingem as crianças são a diarreia e a pneumonia. Muitas estão fora das creches, sem cuidados de educação e saúde.

“Conheço mulheres que estão grávidas e não fazem nem mesmo o pré-natal. Elas vêm de outros países e, pra garantir o emprego, têm medo de revelar a gravidez. Algumas contam coisas pra mim, que talvez só devessem ser faladas entre elas e Deus”.

A apenas 300 metros do marco zero da cidade, este prédio deteriorado é o lar de muitas famílias (Sidney Pereira/Agência Mural)

Neide afirma que o déficit habitacional agrava o problema. “Muitos preferem viver, mesmo precariamente, aqui no centro, que é perto de tudo, a mudar para uma casa melhor, mas muito longe, e ter que pagar condução.”

“Uma parente morava aqui e mudou pra Zona Leste. Lá tem muito espaço para as crianças, mas ela sai às seis da manhã para entrar às nove e meia no serviço. E na volta é o mesmo sacrifício. Ela está pensando em voltar pro centro”, relata.

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No roteiro da articuladora de saúde, a apenas 300 metros da Praça da Sé, fica o esqueleto de um prédio invadido e em péssimo estado de conservação. “As famílias têm muitas crianças e moram em cubículos separados por divisórias de madeira e papelão, sem água ou rede de esgoto. O risco de incêndio é grande”, avalia.

VILÕES DA SAÚDE INFANTIL

Para comentar a questão da mortalidade infantil na cidade, o 32xSP procurou o médico Claudio Leone, integrante do Departamento Científico da Sociedade de Pediatria de São Paulo.

Segundo ele, com exceção das primeiras quatro semanas de vida, os “dois maiores vilões” para as crianças, de até um ano de idade, são as doenças infecciosas, como a diarreia e suas complicações, e as respiratórias, como a pneumonia.

O pediatra destaca que a taxa de mortalidade é um indicador da qualidade de vida da família. Além da assistência à saúde, que inclui o atendimento médico, vacinas, controle periódico e  pré-natal, é necessário morar em um ambiente saudável.

O médico lembra que a taxa aumenta por problemas na gestação e parto ou nos primeiros 28 dias de vida do bebê: “A gestante deve iniciar o acompanhamento médico até o terceiro mês de gestação e ter, no mínimo, seis consultas durante a gravidez”.

A mortalidade aumenta por problemas na gestação e parto ou nos primeiros 28 dias de vida do bebê (Sean Smith/Flickr-CCBY)

Leone também ressalta que a prematuridade tem aumentado em todo o País. “Crianças prematuras são mais vulneráveis, têm que permanecer mais tempo no hospital e isso aumenta o risco de adquirir uma infecção, inclusive generalizada. O risco de falecimento é enorme”, explica.

Com relação ao aumento das taxas no distrito da Sé, o médico diz ser “difícil interpretar essa variação”, mas também considera “muito estranho um salto desse tamanho, mais do que o dobro”.

Na mesma linha de pensamento da integrante da Pastoral da Criança na Sé, o pediatra afirma que “se pode especular que migrou para essa região uma população marginalizada ou de áreas desfavorecidas, sem acesso aos serviços básicos. Se a região está deteriorada, toda a estrutura fica comprometida”.

Segundo ele, a região da Sé recebe boa parte da população de imigrantes que chega à cidade. “As mulheres escondem a gravidez e, com medo de perder o emprego, não fazem o pré-natal, vivem em condições ruins, a mãe correndo risco de vida. Tudo isso pode ter contribuído. Algo aconteceu fora do padrão que essa região vinha apresentando”, finaliza.

Em resposta às perguntas do 32xSP, a Secretaria Municipal da Saúde reconheceu que as principais causas de morte das crianças na região foram: “má formação do sistema circulatório, má formação congênita, afecções perinatais, prematuridade, infecções e outros transtornos respiratórios do recém-nascido”.

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São oferecidos 456 leitos hospitalares no distrito, informa a secretaria, “entre clínica médica e cirúrgica, pediatria, gestação de alto e baixo riscos, e seis leitos de retaguarda para o Pronto-Socorro Barra Funda”.

Sobre o projeto de instalação de novas unidades de saúde no distrito, a secretaria respondeu que “há intenção” de ampliação da estrutura da UBS Sé e de transformação da AMA Sé em Pronto-Socorro Municipal, tipo Unidades de Pronto Atendimento.

Estão previstas ainda a realocação do Centro de Atenção Psicossocial Infantil para atendimento 24 horas, com acolhimento em regime aberto, e a reforma do Caps Adulto, com ampliação de atendimento para 24 horas.

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