32xSP

Imbróglio legal cria duas eleições para cargo de ouvidor da Defensoria

Por conta de uma disputa entre o Conselho Superior da Defensoria e o Condepe paulista, dois processos eleitorais correm em paralelo

Imbróglio legal cria duas eleições para cargo de ouvidor da Defensoria
Imbróglio legal cria duas eleições para cargo de ouvidor da Defensoria
Alderon Costa, atual ouvidor
Apoie Siga-nos no

[Este é o blog do 32xSP. O site completo você acessa aqui]

Estão em andamento as eleições para a Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. O processo elegerá o novo ou a nova ouvidor(a)-geral, que tem o papel de fiscalizar o órgão e ser o principal canal de escuta da sociedade.

Com salário de 14.390 reais, o profissional eleito terá um mandato de dois anos, podendo ser reeleito.

Neste ano, por conta de uma disputa entre o Conselho Superior da Defensoria e o Condepe (Conselho Estadual de Direitos da Pessoa Humana) de São Paulo,  dois processos eleitorais correm em paralelo.

No processo tradicional, conduzido pelo Condepe-SP desde a criação do órgão, em 2006, os candidatos precisam comprovar formação e atuação na área de direitos humanos, além de ser indicados por uma organização da sociedade civil com mais de cinco anos de existência.

De acordo com o rito, os pretendentes ao cargo participam de uma audiência pública – prevista para março, mas ainda sem data definida – onde fazem a defesa de suas respectivas candidaturas. Após a sabatina, seis conselheiros do Condepe-SP indicam três candidatos e encaminham esta lista tríplice ao Conselho Superior da Defensoria. Este, por sua vez, elege o ouvidor. A nomeação posteriormente é feita pelo governador.

LEIA MAIS: 
Reclamações sobre Prefeitura Regional do Butantã aumentaram 34% em 2017

O segundo procedimento eleitoral é conduzido de forma inédita pelo próprio Conselho Superior da Defensoria Pública. Nele, qualquer cidadão pode votar e até mesmo se candidatar, desde que comprove “reputação ilibada”, conceito previsto na Constituição atribuído a uma pessoa “íntegra, sem mancha, incorrupta”, de acordo com a definição do Senado Federal.

Antes de comparecer à urna com seu título de eleitor – o mesmo utilizado nas eleições presidenciais e afins -, é necessário que o interessado em votar realize sua inscrição no site da Defensoria Pública. Feita a apuração, é eleito o candidato mais votado.

Ainda não há, porém, previsão para a divulgação da lista de candidatos, para a abertura do período de inscrições ou até mesmo para a data de votação.

atendimento2.jpg Atendimento realizado na Defensoria Pública de SP (Divulgação/Defensoria Pública SP)

DISPUTA JUDICIAL

A duplicação nas eleições ocorre por conta de um imbróglio legal: a Lei Complementar Estadual 988, de 2006, determina uma lista tríplice organizada pelo Condepe-SP, enquanto que a Lei Complementar Federal 132, promulgada em 2009, estabelece que o papel de regulamentar o processo cabe ao Conselho Superior.

Em janeiro, o edital com as novas normas eleitorais publicado pelo Conselho Superior chegou a ser suspenso liminarmente pelo juiz Antônio Augusto Galvão de França, da 4ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, após mandado de segurança de uma das candidatas ao cargo questionando a legalidade do processo. Esta decisão judicial foi, no entanto, revertida no início de fevereiro pelo Tribunal de Justiça paulista e, desde então, os dois procedimentos eleitorais são válidos.

Na ocasião, o IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) publicou uma nota pública repudiando a deliberação do TJ-SP e acusando o Conselho Superior de tentar enfraquecer o posto de ouvidor-Geral.

“Em um primeiro momento, tal mudança (permitir a participação de pessoas comuns no processo eleitoral) pode parecer mais democrática, no entanto a retirada da decisão das mãos da sociedade civil organizada é uma forma de desarticular e deslegitimar as organizações que há anos estão engajadas no tema dos direitos humanos e no fortalecimento dos direitos sociais e individuais. É indiscutível que tal determinação pode fragilizar a independência, autonomia e legitimidade da ouvidoria”, diz o texto.

O atual ouvidor-geral, Alderon Costa, está de acordo: “A sociedade civil é que tem que definir qual processo é melhor para a indicação da lista tríplice. A lista tríplice pertence à sociedade civil e os movimentos sociais têm legitimidade para participar desse processo”, frisa. “Em termos de ideal seria o ouvidor ser indicado pelos movimentos sociais. O órgão de fiscalização da Defensoria deveria ser controlado pela sociedade civil”, argumenta.

Procurada por meio de sua assessoria de imprensa, a Defensoria Pública e seu Conselho Superior não haviam respondido até o fechamento desta matéria.

DO LADO DO POVO

Eleito em 2014 e reconduzido em 2016, ambas as vezes conforme as regras da Lei 988, Costa defende o sistema do Condepe-SP por considerá-lo mais criterioso.

“Temos que ter critérios para a seleção do ouvidor, temos que ter profissionais que entendam do processo de defensoria e que estejam próximos dos movimentos sociais e dos mais vulneráveis”, enfatiza.

Para o advogado Francisco Crozera, assessor jurídico da Pastoral Carcerária, apesar da confusão gerada com a publicação de dois editais estabelecendo regras distintas para a concorrência ao mesmo cargo, a população precisa estar atenta e acompanhar o desenrolar do processo para garantir que o profissional eleito seja alguém comprometido com as demandas de quem mais precisa da Defensoria.

“A Defensoria Pública é muito importante porque oferece atendimento jurídico gratuito a quem não pode pagar por um advogado e a ouvidoria tem a função de fazer a escuta da população que utiliza os serviços da Defensoria. Ela [a ouvidoria], além de esclarecer dúvidas, ouve críticas e as encaminha para corrigir eventuais problemas no atendimento”, esclarece Crozera.

“Vão ter sempre ouvidores diferentes, alguns que são mais críticos, outros menos críticos, com perfis diferentes, isso faz parte. Mas, politicamente, o ouvidor ou ouvidora tem que ter um lado: é o lado do usuário. Este é o grande critério”, conclui Alderon.

De acordo com uma especialista ouvida pela reportagem, com a duplicação do processo eleitoral o cenário provável será haver dois profissionais distintos eleitos para o cargo. Neste caso, a decisão final deverá ser definida na Justiça.

ENTENDA MAIS SOBRE: ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.

CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.

Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo