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Brás: Bom lugar para comprar, problemático para viver

Dos 38 indicadores avaliados pelo Mapa da Desigualdade 2017, o distrito aparece 23 vezes entre os 30 piores da cidade de São Paulo

Comércio popular nas imediações do largo da Concórdia
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Talvez poucos paulistanos saibam, mas o distrito do Brás, popular centro de compras e que recebe multidões de clientes de todo o País, tem mais de 30 mil moradores fixos.

O Mapa da Desigualdade 2017 revelou como vivem esses habitantes, “quase invisíveis”, numa área de apenas 3,5 quilômetros quadrados. Dos 38 indicadores sociais, ambientais, econômicos, políticos e culturais avaliados no estudo, o Brás aparece 23 vezes entre os 30 piores da cidade.

O dia-a-dia da região é normalmente agitado. Logo de madrugada, no emaranhado de ruas, em torno do largo da Concórdia, começa o frenético movimento comercial, com roupas, sapatos, acessórios e o que a imaginação alcançar oferecidos a preços baixos. A gigantesca população flutuante, de trabalhadores e de clientes, chega em dezenas de linhas de ônibus e pelas estações de metrô e de trem.

Com baixo índice de áreas verdes, o Brás não tem estruturas de lazer, cinemas, teatros, centros culturais públicos, museus ou salas de show. Da mesma forma, o distrito não tem qualquer equipamento público municipal de esporte ou mesmo telecentros. Jovens e idosos, os principais usuários desses locais, ficam de fora dos programas esportivos e de inclusão digital da cidade.

O administrador Luiz Fernando Guimarães, 27 anos, reside no distrito há 11 e reconhece a falta de opções de lazer. “Não é muito longe, mas temos que ir até a Mooca ou Tatuapé pra se divertir”, revela.

UBS-Brás.jpg A UBS Brás é a única unidade de saúde do distrito (Sidney Pereira/32xSP)

Preocupante também é o panorama da saúde. Sem contar com nenhum hospital público, pronto-socorro ou Unidade de Pronto Atendimento, e apenas uma UBS, a população se desloca aos distritos vizinhos para tratamento médico.

É o caso da aposentada Graça Pereira, de 67 anos, que tem acompanhamento de um clínico geral no posto do Brás, mas procura atendimento especializado no hospital do Tatuapé ou na Santa Casa, quando precisa. “Sou cearense, cheguei em São Paulo há mais de 20 anos, criei meus filhos aqui, mas sinto falta de um hospital perto de casa”, diz.

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Sobre os motivos de morar no Brás, o administrador Guimarães fala da proximidade do local de trabalho. “Fica tudo mais fácil. Minha esposa está grávida e faz o pré-natal no posto há quatro meses, mas falta estrutura. Pra saber o sexo do bebê, tive de levá-la a um médico particular pra fazer um ultrassom. Um hospital seria importante para os moradores e os visitantes também”, reclama.

No Mapa da Desigualdade, chama a atenção o crescimento no número de mortes por AIDS em relação ao ano anterior: de cinco para oito, deixando o Brás na posição de número 94 e superando apenas o Pari e a República. A mortalidade por causas externas (acidentes e violências) também foi elevada. Com 19 casos registrados, o Brás ficou somente à frente da Sé nesse indicador.

Rua-do-Brás.jpg Comércio popular nas imediações do largo da Concórdia (Sidney Pereira/32xSP)

O movimento intenso das ruas se reflete no alto índice de ocorrências policiais. O Brás lidera o ranking de homicídios na cidade, inclusive o de jovens, e registra número expressivo de agressões a crianças, adolescentes, idosos e mulheres. A aposentada Graça Pereira pede mais segurança: “Tem muitos ladrões e drogados nas ruas. Tenho medo de usar meus brincos por aí e só saio com eles de dia”.

O administrador Guimarães é da mesma opinião. “Sempre ouço falar de casos de violência, arrastões e assaltos em lojas. É só ficar parado no largo da Concórdia, que você percebe os bandidos, “de olho”.

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As crianças da região também não recebem atenção adequada do poder público. Para os pequenos entre 0 e 3 anos, o percentual de matrículas efetivadas em creches municipais (em relação ao total de inscritos), de pouco mais de 70%, coloca o Brás em 83º lugar entre os 96 distritos paulistanos. No caso das vagas em pré-escolas, na faixa etária de 4 a 6 anos, o distrito ocupa o 82° lugar, com 98,8%.

A PREFEITURA EXPLICA

Sobre o panorama cultural do distrito do Brás, a secretaria da área responde que “não há nenhuma iniciativa prevista para a região”. Para justificar a falta de telecentros, a secretaria de Inovação e Tecnologia alega existirem três unidades a menos de três quilômetros de distância e um ponto de acesso à rede pública de wi-fi, no largo da Concórdia.

A Secretaria de Esportes e Lazer comenta a falta de equipamentos esportivos no distrito, garantindo que mantém atividades em quatro locais próximos “a 20 minutos do ponto central do bairro”.

A Secretaria de Educação argumenta que, “em maio deste ano, a fila de espera para a pré-escola foi zerada no distrito, assim como em toda a capital”. Segundo o órgão, “o número de matrículas em creches superou 300 mil crianças na cidade”.

No âmbito da saúde, a secretaria responsável admite que o Brás “tem muitas mulheres grávidas em situação de rua (população de difícil adesão ao pré-natal) e imigrantes em situação ilegal”.

A rede hospitalar da região, que abrange Mooca, Aricanduva, Vila Formosa e Carrão, tem “três unidades municipais, duas estaduais e quatro privadas, totalizando 1.058 leitos SUS”. Sobre a questão da AIDS, diz que “o número de novos casos, a cada 100 mil habitantes, caiu 13,4% entre 2014 e o ano passado na prefeitura regional da Mooca”.

Procurada para analisar os números da violência no Brás, a Secretaria de Segurança Pública do estado responde que “não é possível realizar comparação” entre os bancos de dados utilizados no Mapa da Desigualdade e aqueles adotados pelo órgão, mas informa que a região do 8º DP (Brás) tem “taxa de homicídios dolosos de 18,55/100 mil habitantes” e que realizou 1.034 prisões nos últimos 12 meses. “Houve uma redução de 82% na taxa de homicídios nesse distrito, entre 2001 e 2016”, finaliza.

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