Artigo
Roda Viva com Djamila Ribeiro é um documento histórico
Só o tempo histórico dará conta da magnitude de seu trabalho, me pergunto se ela tem noção da do quanto já pavimentou.
Eu poderia dizer, sem medo de errar, que Djamila é a principal voz do feminismo negro deste país e do cenário internacional. Poderia falar, também, sobre ela ter 03 livros publicados e ser best-seller em todos eles. Sobre ter sido laureada pelo governo holandês; premiada em diversos países e categorias, inclusive como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, de acordo com a ONU; ou sobre ela ter sido reconhecida como “Personalidade do Amanhã” pelo governo francês.
Mas, com certeza, estaria falando pouco sobre Djamila Ribeiro!
Eu me atrevo a dizer que sua trajetória não começa na Casa de Cultura da Mulher Negra, aos 18, nem na infância, ainda sob a batuta de seu amado pai, grande referência na militância santista. Ouso arriscar que sua luta é travada, muito antes, com a escolha de seu Ori. Um Ori de coragem que Djamila tem carregado com a garra de poucos!
Com uma audiência gigantesca, ela se colocou à disposição do Brasil e do mundo para tratar de assuntos complexos com generosidade. Falou sobre a importância do protagonismo de povos negros e indígenas na construção de epistemologias preocupadas com as questões estruturais que atravessam nossa sociedade. Falou sobre descolonizar os olhares e romper com a hierarquização racial como partes fundamentais de um processo de emancipação individual e coletivo que passa, obrigatoriamente, pela reconstrução de saberes e de perspectivas livres das impostas pela racionalidade ocidental.
Sábia e estratégica, coisas de quem carrega Ofá, ela invadiu milhares de casas contestando e provocando o senso comum a refletirem sobre projeto colonial, branquitude e Exu. Foi lindo ver sua ginga ancestral na luta antirracista. Consciência na revolução é isso, se preocupar para que os temas essenciais sejam acessíveis e saiam das bolhas da academia sem se limitar, todavia, à sua própria bolha. Até porque, ninguém muda uma estrutura falando de si para si.
Ser idealizadora do Selo Sueli Carneiro e coordenadora da Coleção Feminismos Plurais não é um acaso. Dois projetos revolucionários que já representam um marco no cenário editorial. Sua Coleção – que podia muito bem se chamar “Coleção Djamila Ribeiro”, se não fosse ela uma mulher que pisa com os dois pés no chão do terreiro e sabe que sucesso e riqueza se vivenciam em comunidade, é um projeto político de ruptura com os antigos formatos de produção científica, além de um mecanismo potente para que tantas autoras e autores negros possam vivenciar o reconhecimento de seus trabalhos.
Sim, a filha dileta de Odé se faz caminho por onde passa. Leva consigo uma tradição e a luta de um povo historicamente desumanizado. Bem longe daquela ideia cristã do “amai ao próximo…” (ainda que ele te odeie!), Djamila se expõe, porque entendeu, como poucos, o que é ser continuidade. Só o tempo histórico dará conta da magnitude de seu trabalho, mas, quando a vejo agradecer o chão batido daquelas e daqueles que vieram antes, me pergunto se ela tem noção da do quanto já pavimentou.
Djamila não anda só, não apenas porque tem Orixá e toda ancestralidade vibrando ao seu lado. Mas, porque Djamila os trazem à carne através de sua fala e de seu trabalho. Ela limpa suas feridas, coloca justiça à disposição e devolve a dignidade roubada. Não é só amparo, não é só bênção, não é só gratidão. É trabalhar junto, é fazer parte, é se integrar. E eles se fundem, mutuamente, numa troca genuína.
Djamila é Odé no centro daquela Roda. E, quando todos pensavam que a exposição se tornaria alvo fácil, a caça farta já estava sendo dividida em nosso ajeum sagrado. Ajeum man Exu! Ajeum man Oxóssi! Ajeum man Djamila Ribeiro!
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