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Qual é a relevância de Ciro Gomes na arena política cearense?

Considerando o desempenho de Ciro e de seu candidato ao governo cearense em 2022, é possível observar o declínio do poder e da influência do ex-ministro

Qual é a relevância de Ciro Gomes na arena política cearense?
Qual é a relevância de Ciro Gomes na arena política cearense?
Foto: José Cruz/Agência Brasil
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É impossível entender o Ceará dos anos recentes se desconsideramos o papel desempenhado por Ciro Ferreira Gomes na política estadual. Herdeiro de família de políticos oriundos de Sobral, Ciro foi o primeiro de seus irmãos a estrear na política partidária, em 1982, quando concorreu a deputado estadual, sendo reeleito em 1986.

Seu protagonismo na Assembleia Legislativa e o alinhamento aos projetos modernizantes o aproximaram do então recém-eleito governador Tasso Jereissati. A aliança entre esses personagens oxigenou a política cearense e possibilitou a ascensão meteórica de Ciro, que, em 1988, foi eleito prefeito de Fortaleza, e governador do Ceará em 1990. Seus altos índices de avaliação como gestor o projetaram nacionalmente, levando-o a assumir o Ministério da Fazenda em 1994. Naquele momento, ficaram claras suas pretensões: chegar à Presidência. Pretensões difíceis de viabilizar no PSDB, devido, entre outras razões, à competitividade entre quadros do partido e ao temperamento difícil de Ciro, que dificultava a manutenção de aliados estratégicos.

A virada de chave aconteceu após sua migração para o PPS, em 1997. A nível federal, Ciro costurava a sua candidatura à Presidência. No Ceará, a mudança de sigla permitiu autonomização do grupo liderado pelos irmãos Ciro e Cid Gomes da influência da poderosa máquina tucana no estado, conduzida por Jereissati. Em poucos anos, o PPS deixou de ser uma sigla inexpressiva para se tornar uma das maiores forças partidárias cearenses. Anos depois, o mesmo aconteceria com o PROS, o PSB e o PDT estaduais após a chegada dos Gomes.

O desempenho eleitoral de Ciro nas disputas presidenciais e sua aliança com o PT a partir de 2002 o consolidaram no cenário nacional, sendo peça-chave para a eleição de Cid Gomes ao governo cearense em 2006. Essa aliança à esquerda, protagonizada por Ciro e Cid, transformou o grupo ferreiragomista numa das maiores máquinas eleitorais dos anos recentes, chegando a reunir mais de 300 lideranças entre vereadores, prefeitos e deputados.

Do ponto de vista da lógica de funcionamento do grupo ferreiragomista, que foi hegemônico no Ceará de 2006 a 2022, havia uma clara divisão de funções: Ciro cuidava da articulação nacional e Cid gerenciava o grupo no estado. Se, por um lado, a racionalização das funções otimizou a eficiência do grupo, também serviu para afastar Ciro dos debates locais. O ministro era acionado esporadicamente como bombeiro em contextos de crises. Ao contrário de Cid, que, síndico das coalizões lideradas pelos Gomes no Ceará, transformou-se em liderança reconhecida por sua habilidade em gerenciar tensões entre aliados e montar arranjos eleitorais competitivos.

A aliança PT-Ferreira Gomes, que foi bem-sucedida até 2018, começou a se deteriorar e foi marcada por tensões crescentes devido à disputa pela hegemonia da esquerda no estado e no cenário nacional, sobretudo quando novamente Ciro concorreu à Presidência. Derrotado, optou por se refugiar em Paris e ausentar-se das campanhas a despeito do acordo entre PDT e PT para o segundo turno. Essa escolha lhe custou caro e é recorrentemente lembrada por eleitores.

As eleições de 2022 foram particularmente difíceis para Ciro, que enfrentou um ambiente político fortemente polarizado. Em paralelo, a tentativa de reposicionar sua imagem a fim de capturar eleitores do centro à direita, materializada numa campanha agressiva contra Lula e Bolsonaro, o esgotamento após tantos anos gerindo nacos importantes de poder no estado, somado à resistência em manter aliados históricos no Ceará, como o PT, resultaram em perdas significativas de apoio tanto na base eleitoral quanto política.

A briga com Cid e o esvaziamento do PDT evidenciaram o custo dessa estratégia. Ciro amargou sua pior derrota. Se em outras eleições presidenciais venceu com vantagem no Ceará, em 2022 obteve 369.222 votos (6,8%), ficando atrás de Lula e de Bolsonaro.

A briga entre os irmãos deixou fraturas. Isolado, Ciro perdeu parte de sua base, que acompanhou Cid para o PSB – o que incluiu os irmãos Ivo, Lia e Lúcio. O PDT cearense, que chegou a eleger 65 prefeitos em 2020, minguou para 10 prefeituras e corre o risco de, em 2024, perder a principal cidade sob seu comando: Fortaleza.

Em levantamento feito pela Quaest para a eleição de Fortaleza, Ciro Gomes é o “pior padrinho”: 73% dos entrevistados disseram não votar em um candidato apoiado por ele, contra 23% que votariam.

Para as eleições de 2024 no Ceará, coube a Ciro o papel que antes era muito bem desempenhado por Cid: reunir aliados, ampliar base política, costurar acordos, montar chapas competitivas para as eleições locais. Considerando o desempenho eleitoral de Ciro e de seu candidato ao governo em 2022, Roberto Cláudio, é possível observar o declínio do poder e da influência de Ciro, o que sugere desafios ainda maiores para o ex-ministro e seu grupo político nas eleições de outubro.

Se a política é um dos poucos espaços onde é possível “ressurgir das cinzas”, as eleições de 2024 poderão dar bons indicativos sobre o futuro político de Ciro Gomes.


*Este artigo faz parte do projeto Observatório das Eleições 2024, uma iniciativa do Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação, que conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br.

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