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Oyá: a Justiça é uma mulher negra

A Orixá da Justiça empunha sua espada para abrir caminhos rumo à igualdade na diferença e, consequentemente, na própria realização da Justiç

Iansã. Foto: Márvila Araújo
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“Oyá mulher corajosa que ao acordar empunhou um sabre.”

Orikì Yorubá

Quando se fala em representação imagética da Justiça, a maioria das pessoas mentaliza Themis, divindade greco-romana, que exibe na mão direita, uma espada apontada para baixo; na esquerda, uma balança erguida e nos olhos uma venda, representando um ideal de imparcialidade, coerção e manutenção de status quo. Talvez seja essa a imagem que inspire algumas magistradas e magistrados a defenderem que a promoção de equidade racial é uma “pauta ideológica” e que o racismo é uma “causa social”.

A retórica da neutralidade do Poder Judiciário funcionou bem no século XIX, quando se construiu o mito do juiz-boca-da-lei, como sustentáculo de um Estado Burguês, comprometido com a liberdade e a propriedade dos homens brancos europeus, em um modelo erguido sobre o colonialismo e a escravização. “Somos escravos da lei”, diziam os jurisconsultos brasileiros ao defenderem o direito à propriedade sobre outros seres humanos.

Mas no debate jurídico atual, nem mesmo as perspectivas eurocêntricas, conseguem defender que o juiz é um escravo da lei. A teoria da justiça de John Rawls, o giro hermenêutico, a principiologia de Robert Alexy, o neoconstitucionalismo e diversas outras tendências pós-positivistas, amplamente difundidas pelas faculdades de direitos e constantemente citadas pelos tribunais, afirmam que a interpretação da lei é um processo de construção de sentido, no qual se disputam narrativas sobre o que é lícito e o ilícito.

 

E é justamente nessa disputa de narrativas que queremos contribuir enquanto juristas negras. E começamos propondo uma outra imagem para a Justiça. Imagine uma mulher de tez escura e cabelos crespos, volumosos e longos a lhe coroar a cabeça, segurando uma espada em riste, enquanto equilibra uma balança de cobre. Ela não usa vendas, ao contrário, mantém os olhos abertos e atentos, do alto de sua cabeça erguida, para que não se lhe escapem as opressões e as injustiças que ela tem por missão corrigir. Ela já acorda com o “sabre empunhado”, num enfrentamento constante e contra-hegemônico, mas não dispensa a balança, por saber que é preciso equilíbrio, estratégia e sabedoria ancestral. Eparrey, bela Oyá!

A Orixá da Justiça divide o trono com seu companheiro Xangô, encarnando a própria liberdade. Ela é o vento, na suavidade da brisa e na força do vendaval. Ela é o raio que cruza os céus e incendeia a terra, ao tempo que também é tempestade. Oyá é a leveza da borboleta que se camufla na casa grande e também é a força do búfalo diante das injustiças. Oyá é a verdadeira representação mítica das mulheres negras que por meio de suas estratégias mais resilientes driblaram a opressão da escravidão, tornando-se as primeiras empreendedoras desse país, cujos tabuleiros garantiam não apenas o alimento dos corpos, mas também das lutas negras por libertação.

Por isso, o princípio de Oyá está tanto nas quitandeiras que vendiam acarajé para alforriar os seus quanto nas juristas negras que, honrado as suas ancestrais, insurgem-se contra um sistema de justiça racista, machista e misógino. Oyá é a energia transformadora da realidade que destrói e constrói a todo momento e impede a ruína do mundo, como nos diz Dêge Malûngu Òkòtó. Oyá representa a fonte de força para resistir e nos libertar do cativeiro de ontem e de hoje. Não se pode prender o vento.

Com um olhar atento e empático, a Orixá da Justiça empunha sua espada para abrir caminhos rumo à igualdade na diferença e, consequentemente, na própria realização da Justiça. Oyá guerreia pela liberdade de ser diferente. E é essa diferença que deve estar na balança da justiça na hora da decisão. Se a magistratura brasileira se entende como escrava da lei, pois considere o que diz a lei maior, a Constituição da República Federativa do Brasil, que estabelece o pluralismo como princípio fundamental e a luta contra o racismo e todas as demais formas de discriminação como objetivo a ser alcançado por TODOS os órgãos da República.

E não tentem nos segmentar, pois os movimentos de mulheres negras não são movimentos identitários, pois se dedicam à luta contra todas as formas de opressão – não apenas o racismo e o sexismo, mas o capacitismo, o etarismo, a LGBTfobia, o genocídio da juventude negra, a masculinidade tóxica. Nesse sentido, o olhar da mulher negra é uma olhar privilegiado para a construção de uma sociedade igualitária, de uma Justiça pluriversal.

Sigamos então perseguindo outras epistemologias, outros pontos de vista e pontos de partida. Em tempos onde as dores e os desafios são tantos, nosso sangue derramado na terra germina e desperta o nosso potencial transformador. Essa transformação virá pelas mãos, pelos corações e pelas mentes das mulheres negras.

Justiça é uma mulher negra!

Axé!

Eparrey, Oyá.

“Oyá mulher corajosa que ao acordar empunhou um sabre.”

Orikì Yorubá

Quando se fala em representação imagética da Justiça, a maioria das pessoas mentaliza Themis, divindade greco-romana, que exibe na mão direita, uma espada apontada para baixo; na esquerda, uma balança erguida e nos olhos uma venda, representando um ideal de imparcialidade, coerção e manutenção de status quo. Talvez seja essa a imagem que inspire algumas magistradas e magistrados a defenderem que a promoção de equidade racial é uma “pauta ideológica” e que o racismo é uma “causa social”.

A retórica da neutralidade do Poder Judiciário funcionou bem no século XIX, quando se construiu o mito do juiz-boca-da-lei, como sustentáculo de um Estado Burguês, comprometido com a liberdade e a propriedade dos homens brancos europeus, em um modelo erguido sobre o colonialismo e a escravização. “Somos escravos da lei”, diziam os jurisconsultos brasileiros ao defenderem o direito à propriedade sobre outros seres humanos.

Mas no debate jurídico atual, nem mesmo as perspectivas eurocêntricas, conseguem defender que o juiz é um escravo da lei. A teoria da justiça de John Rawls, o giro hermenêutico, a principiologia de Robert Alexy, o neoconstitucionalismo e diversas outras tendências pós-positivistas, amplamente difundidas pelas faculdades de direitos e constantemente citadas pelos tribunais, afirmam que a interpretação da lei é um processo de construção de sentido, no qual se disputam narrativas sobre o que é lícito e o ilícito.

 

E é justamente nessa disputa de narrativas que queremos contribuir enquanto juristas negras. E começamos propondo uma outra imagem para a Justiça. Imagine uma mulher de tez escura e cabelos crespos, volumosos e longos a lhe coroar a cabeça, segurando uma espada em riste, enquanto equilibra uma balança de cobre. Ela não usa vendas, ao contrário, mantém os olhos abertos e atentos, do alto de sua cabeça erguida, para que não se lhe escapem as opressões e as injustiças que ela tem por missão corrigir. Ela já acorda com o “sabre empunhado”, num enfrentamento constante e contra-hegemônico, mas não dispensa a balança, por saber que é preciso equilíbrio, estratégia e sabedoria ancestral. Eparrey, bela Oyá!

A Orixá da Justiça divide o trono com seu companheiro Xangô, encarnando a própria liberdade. Ela é o vento, na suavidade da brisa e na força do vendaval. Ela é o raio que cruza os céus e incendeia a terra, ao tempo que também é tempestade. Oyá é a leveza da borboleta que se camufla na casa grande e também é a força do búfalo diante das injustiças. Oyá é a verdadeira representação mítica das mulheres negras que por meio de suas estratégias mais resilientes driblaram a opressão da escravidão, tornando-se as primeiras empreendedoras desse país, cujos tabuleiros garantiam não apenas o alimento dos corpos, mas também das lutas negras por libertação.

Por isso, o princípio de Oyá está tanto nas quitandeiras que vendiam acarajé para alforriar os seus quanto nas juristas negras que, honrado as suas ancestrais, insurgem-se contra um sistema de justiça racista, machista e misógino. Oyá é a energia transformadora da realidade que destrói e constrói a todo momento e impede a ruína do mundo, como nos diz Dêge Malûngu Òkòtó. Oyá representa a fonte de força para resistir e nos libertar do cativeiro de ontem e de hoje. Não se pode prender o vento.

Com um olhar atento e empático, a Orixá da Justiça empunha sua espada para abrir caminhos rumo à igualdade na diferença e, consequentemente, na própria realização da Justiça. Oyá guerreia pela liberdade de ser diferente. E é essa diferença que deve estar na balança da justiça na hora da decisão. Se a magistratura brasileira se entende como escrava da lei, pois considere o que diz a lei maior, a Constituição da República Federativa do Brasil, que estabelece o pluralismo como princípio fundamental e a luta contra o racismo e todas as demais formas de discriminação como objetivo a ser alcançado por TODOS os órgãos da República.

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