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Os erros dos pretensos intérpretes do esquerdismo entregaram o País ao senhor do manicômio

‘Não seria esta a hora de as lideranças nativas se unirem para escalar um candidato de todos?’, questiona Mino Carta

O presidente Jair Bolsonaro. Foto: Evaristo Sá/AFP
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Sonhei com Jair Bolsonaro, obviamente foi um pesadelo. Ele estava esfregando as mãos, tomado de puro contentamento, ao contrário do acima assinado. Foi uma sensação muito desagradável. Forçou-me a imaginar por que estaria o presidente tão feliz da vida. Não foi difícil chegar à conclusão: regozijava-se o primeiro-mandatário com a informação de que os partidos se preparavam a apresentar cada qual seu candidato às eleições de 2022. Sonho de premonição, concluí. De fato, espalha-se a impressão de que, em 2020, cada partido pretende ser representado por um candidato próprio.

Acordei muito agitado e aos meus contristados botões perguntei se, a bem do Brasil, era esta a melhor solução para enfrentar o monstro. Recordei a aventura mitológica de Perseu. Saiu a cavalo munido de um largo escudo para se haver com a Gorgona, com sua cabeleira de serpentes enfurecidas. Tomou ele os cuidados necessários, a começar pela determinação de jamais encarar o ser mortífero, dotado do poder de petrificar quem o olhasse de frente. Sabemos que Perseu poderia ter chamado um exército de heróis para cumprir a tarefa, mas foi em solidão e venceu.

Belo exemplo de quem condiciona a ação ao perigo que ela encerra. Haverá um Perseu nas redondezas? Melancólicos, os botões murmuram que quantos se dizem progressistas, esquerdistas, revolucionários, de verdade permanecem atados às concepções mais passadistas. No meu sonho, Bolsonaro cogita da eleição destinada a mantê-lo na Presidência e os adversários incumbem-se de mostrar-lhe o caminho da vitória. Houve quem me lembrasse o antiquíssimo ditado do Império Romano, divide et impera, capaz, certamente, de animar monstros.

Agora vejamos. Não seria esta a hora de as lideranças nativas se unirem para escalar um candidato de todos, uma figura indiscutível acima de bolorentas picuinhas e de vicissitudes pregressas? A corte de que participam os pretensos intérpretes do esquerdismo nativo haveria de perceber seus erros clamorosos que entregaram o País ao senhor do manicômio. Haveria de ser esta a hora da redenção para entender que o candidato único, escalado ao sabor das melhores tradições, embora raras, teria condições de arcar com o papel de nosso Perseu.

Refiro-me a um nome indiscutível do porte de Celso Furtado, ou de Raymundo Faoro, não confundir, por favor, com oportunistas do tamanho de Fernando Henrique Cardoso. 

O confronto direto sempre foi o mais eficaz. Mesmo nos tempos em que certas questões eram resolvidas na ponta da espada. A história de Júlio César é um bom exemplo. Para enfrentar seus contendores ao domínio de Roma, ele saiu das Gálias conquistadas, atravessou o Rubicão, por ele tido como fronteira além da qual o embate seria inevitável, e disse: “O dado está lançado”. Foi então que, antes de mais nada, enfrentou Pompeu diretamente e o tirou da ribalta, e com Lépido foi um jogo de crianças. Neste momento, César começou a ver o império aos seus pés e cogitou da sua entronização como imperador. Foi necessária uma sedição, liderada por Brutus e Cássio, que conspiraram com a participação maciça dos senadores. César caiu ensanguentado, debaixo de incontáveis punhaladas, aos pés da estátua de Pompeu. Ironia do destino. Disse naquele momento: “Até tu, Brutus, filho meu?”

Shakespeare convocou a presença do vingador Marco Antônio e ornou-lhe a boca com um discurso de superior eficácia retórica, de sorte a justificar a ira popular contra os conspiradores. A história mistura-se com o enredo traçado pelo poeta de Stratford-upon-Avon, sem discrepar, creio eu. Marco Antônio era um cavalheiro ambicioso, foi ele o perseguidor dos golpistas, que finalmente derrotou em Filippi, na Grécia. Com isso garantiu sua presença no novo triunvirato, em que figuravam o sobrinho de César, Augusto, e um obscuro Crasso, registrado pelos anais como indivíduo que erra muito.

Ao cabo, Augusto portou-se como o tio e cuidou de liquidar, no Egito de Cleópatra, um Marco Antônio desmilinguido diante da graça onipotente da rainha, conforme os relatos da época. No fim, sobrou para o seu comando todo o império e realizou-se, assim, o plano de César. Registre-se que Augusto foi um imperador muito amado, como seria, provavelmente, o César cantado por Shakespeare na fala de Marco Antônio.

Publicado na edição n.º 1144 de CartaCapital, em 12 de fevereiro de 2021.

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