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O retorno do X e a urgência de proteger a soberania digital e a democracia brasileira

O desbloqueio da plataforma oferece uma oportunidade única de iniciarmos uma revolução digital e servir de modelo para outras nações

O retorno do X e a urgência de proteger a soberania digital e a democracia brasileira
O retorno do X e a urgência de proteger a soberania digital e a democracia brasileira
Elon Musk, dono da rede social X, e o ministro Alexandre de Moraes, do STF. Fotos: Etienne Laurent e Evaristo Sá/AFP
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Após semanas de tensão entre o Supremo Tribunal Federal e o X (ex-Twitter), a empresa finalmente acatou as medidas impostas por Alexandre de Moraes para ser reativada no Brasil. Com seu possível desbloqueio, surge a oportunidade de repensarmos nossa relação com a plataforma. Não devemos nos submeter ao poder das grandes redes, cujo foco é a maximização de lucro e a expansão do poder geopolítico. Como brasileiros, podemos inspirar outras nações, rejeitando plataformas que fomentam o ódio, promovem agendas antidemocráticas e desafiam nossa soberania digital.

Alguns afirmam que o X acatou as ordens do STF por ter esgotado seus recursos jurídicos e enfrentado pressões de investidores além de críticas internacionais. Outros apontam que o desbloqueio está relacionado à pressão internacional e da extrema-direita brasileira. No entanto, o bloqueio do X no Brasil também expôs uma ameaça ao efeito de rede da plataforma, crucial para sua operação.

O valor de uma plataforma — seja ela qual for — depende do número de usuários e do volume de engajamento, conhecido como efeito de rede. Quando as redes atingem um certo tamanho, torna-se extremamente difícil para novas plataformas menores competirem. O que vimos com o bloqueio do X foi uma ruptura desse efeito de rede, representando uma ameaça ao poder político de Elon Musk em um mercado importante como o Brasil, que conta com 21,5 milhões de usuários, sendo o sexto maior mercado global da plataforma.

Desde o início — ainda como Twitter —, o X teve um papel importante de influência, não apenas no cenário político brasileiro, mas também na definição de pautas globais. Foi por esse canal que diversas agendas se proliferaram para outras plataformas e mídias, influenciando o debate público.

A transição do Twitter para X trouxe mudanças drásticas. Sob os ideais absolutistas de liberdade de expressão promovidos por Elon Musk, vemos uma moderação de conteúdo limitada, falta de transparência nas decisões estratégicas e incentivos econômicos insuficientes para melhorar o ambiente da plataforma. Além disso, há um desinteresse evidente em colaborar com governos, especialmente no Brasil.

A gestão de Musk desafia a soberania e os pilares institucionais que protegem a democracia, polarizando ainda mais o ambiente informacional. É nesse contexto que acadêmicos, jornalistas, políticos, autoridades epistêmicas e membros de organizações sociais lidam com a toxicidade de uma plataforma que agrega usuários de extrema-direita, bots e adeptos do modelo libertário do CEO.

O X está em declínio. Embora ainda domine o setor de microblogs, o número de usuários caiu 30%, e estima-se que o crescimento de novos usuários tenha despencado de 30% ao ano em 2020 para apenas 1,6% este ano. Em agosto, o bloqueio do X no Brasil levou a uma migração em massa para outras plataformas, como Bluesky, Threads, Tumblr, entre outras. O Bluesky, por exemplo, viu um aumento significativo de usuários no Brasil e, no mesmo mês, registrou um aumento de 60% na atividade no Reino Unido, impulsionado pela crescente desinformação no X durante as tensões com a extrema-direita. Esse cenário faz com que cada vez mais usuários busquem alternativas.

Para que o X mantenha seu valor, é crucial que os usuários permaneçam engajados e conectados à plataforma. No entanto, com o encerramento de contas e a migração de usuários para outras redes, o impacto vai além do econômico, representando também uma perda de poder político, especialmente enquanto Elon Musk tenta expandir sua influência global. Apesar da preocupação de alguns usuários brasileiros com a perda de conexões e isolamento, o bloqueio do X foi um exemplo de libertação da chamada “Síndrome de Estocolmo digital”. Essa ruptura representou a libertação de uma relação tóxica, onde os usuários eram vítimas dos abusos fomentados pela plataforma.

Quando se trata de redes sociais, devemos reconhecer que não somos apenas usuários, mas também força de trabalho e o produto dessas empresas. O desbloqueio do X no Brasil nos oferece uma oportunidade única para iniciar uma revolução digital e servir de modelo para outras nações. Como usuários, podemos enfraquecer o efeito de rede da plataforma ao cancelar nossas contas ou reduzir o engajamento.

Diante disso, os usuários do X precisam se perguntar: qual é a nossa responsabilidade em relação a uma plataforma que fomenta a desinformação, promove o discurso de ódio, desafia nossa soberania digital e afeta nossa democracia? Essa reflexão nos ajuda a considerar qual deve ser nosso papel na rede de Musk.

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