Artigo
O ecocídio brasileiro
Nessa guerra contra a natureza e contra nós próprios, o agro se inviabiliza e se tornará cada vez mais inviável — mas destruirá todos os recursos no caminho para adiar sua inevitável morte


A definição de, segundo lê-se no dicionário Houaiss, é o “extermínio deliberado de um ecossistema regional ou comunidade. Em 2021, o Painel de Especialistas Independentes para a Definição Legal de Ecocídio formulou uma descrição jurídica do fenômeno nestes termos: “ecocídio significa atos ilegais ou irresponsáveis cometidos com conhecimento de que há uma probabilidade substancial de danos graves, generalizados ou duradouros, ao meio ambiente, causados por esses atos”.
Em Ecocídio. Por uma (agri)cultura da vida, evidencio que o ecocídio que se vem cometendo em nosso país — biologicamente o mais rico do mundo — é causado pelo modelo econômico agroexportador. Entre nós, os termos ecocídio e agronegócio são quase intercambiáveis.
Deliberadamente ou não, a monocultura comete ecocídio por quatro vias que agem em conjunto e em sinergia:
1) a destruição e degradação de nossa biodiversidade vegetal e animal;
2) as emissões de gases de efeito estufa, incluindo a liberação de metano pelo gado bovino;
3) o uso insustentável dos solos e da água,
4) a poluição e o adoecimento dos organismos, através do uso suicida de agrotóxicos, de antibióticos em animais de criação e, enfim, dos incêndios criminosos que afetam o sistema respiratório.
Os dados são claros, a começar pelas mensurações do MapBiomas: entre 1985 e 2024, o Brasil perdeu 1.170.000 km2 de áreas naturais, uma extensão comparável à do estado do Pará.
A pecuária bovina é, de longe, o principal fator dessa perda no Pantanal, no Cerrado e na Amazônia. Entre 1985 e 2023, mais de 90% das áreas desmatadas na Amazônia tiveram como primeiro uso a pastagem. O INPE alerta que pouco mais da metade da área do Cerrado já foi substituída por monoculturas e gado. No Pantanal, apenas os incêndios de 2020 mataram cerca de 17 milhões de vertebrados.
E o Global Forest Watch adverte que em 2024 nosso país perdeu mais de 28 mil km² de florestas, sendo o fogo criminoso responsável por 67% dessa perda.
No que se refere ao aquecimento global, o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) aponta o agronegócio como responsável por cerca de 75% das emissões brasileiras desses gases. Quanto ao uso de agrotóxicos, se seu consumo global dobrou entre 1990 e 2021, ele mais que quintuplicou no Brasil, conforme estimativas da FAO.
Enfim, projeta-se que até 2030 o agronegócio brasileiro aumentará em até 50% o uso de antibióticos em animais, intensificando o risco de resistência dos patógenos. No Brasil, o agronegócio é, portanto, o motor principal do aquecimento, da intoxicação dos organismos, dos riscos sanitários e da aniquilação de nossa biodiversidade, pois as florestas são, ao mesmo tempo, um refrigerador do clima e um regulador dos ciclos hidrológicos, além de serem o lar principal de nossa imensa riqueza biológica.
Nessa guerra contra a natureza e contra nós próprios, o agro se inviabiliza e se tornará cada vez mais inviável. Para adiar sua morte inevitável, pressiona pela desregulação ambiental, por mais subsídios e por uma renúncia fiscal já da ordem de 158 bilhões de reais por ano.
Enquanto isso, o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra mostra, há 40 anos, o caminho socioambientalmente justo para uma agricultura e uma cultura da vida. A sociedade brasileira deve escolher entre o pior e o melhor modo de se nutrir e de se relacionar com a natureza, da qual somos todos existencialmente dependentes.
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