Artigo

O desafio é descobrir quem está por trás dos serviçais Moro e Dallagnol

‘A procura do estrategista, ou dos estrategistas, ainda demanda muitos e profundos esclarecimentos’, escreve Mino Carta

Sergio Moro e Deltan Dallagnol. Fotos: Antonio Cruz/Agência Brasil e Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Dia 16 de março de 2016, Dilma Rousseff convidou pelo telefone o ex-presidente Lula para ocupar a chefia da Casa Civil do seu governo. Dia 16, Sergio Moro cuidou de mostrar a eficácia com que grampeava seus alvos. No dia 17, o convidado assumiu. No dia 18, Gilmar Mendes, então presidente do Supremo Tribunal Federal, cassou-o em nome de seu envolvimento no processo movido pela República de Curitiba.

Este é, sem dúvida, um episódio muito marcante de um longo enredo do golpe engendrado a partir da Lava Jato. CartaCapital sempre acompanhou o tortuoso caminho da operação cujos irregularidade e desrespeito aos princípios mais comezinhos do direito foram denunciados em um longo texto exclusivo, publicado nas nossas páginas, de Luigi Ferrajoli, jurista italiano de fama mundial, e por vários dos nossos colunistas.

Vieram depois as revelações da brilhante equipe do Intercept, comandado por Glenn Greenwald, praticamente ignoradas pela mídia nativa, maciçamente conluiada com o empafioso juizeco curitibano e seu parceiro promotor, Deltan Dallagnol, provavelmente saído da praça florentina em que morreu entre chamas purificadoras Girolamo Savonarola.

Este é apenas o começo de uma história interminável e aqui estamos a dissertar sobre o assunto, com a promessa de mais e mais capítulos. Óbvio que o golpe de Estado que se seguiu primeiro com a derrubada de Dilma Rousseff, em seguida a imposição do governo Temer, a prisão de Lula, acuado no Sindicato de São Bernardo, para desaguar a galope na eleição de Jair Bolsonaro em 2018.

Novos elementos juntam-se para compor este puzzle, o jogo de encaixar peças, sem atingir a versão correta de tudo que se deu. Há no golpe, transparente, uma complexidade que transcende os alcances dos golpistas de Curitiba. A primeira questão que se apresenta é a inevitável busca dos autores de uma estratégia que enredou o País, como se não bastassem os tristes efeitos da colonização portuguesa, responsável por um atraso que não se aplaca.

A procura do estrategista, ou dos estrategistas, ainda demanda muitos e profundos esclarecimentos. Sabemos como a mídia se prestou ao jogo e contribuiu com empenho e paixão. Sabemos também das frequentes sortidas de Sergio Moro na rota dos Estados Unidos, onde sempre o esperaram encontros graúdos. Sabemos ainda dos interesses da casa-grande, disposta, inclusive, a recorrer aos seus cofres para premiar este ou aquele servidor pronto a cumprir suas vontades. Falta, entretanto, o esclarecimento decisivo para entender a situação em todo o seu espectro.

Tal é o desafio do momento. Há áreas do puzzle que já estão definidas. Por exemplo: está claro que o Brasil dispõe de um Supremo de fancaria, que poderia fechar seus umbrais desde já sem causar prejuízo algum, muito pelo contrário. Supremos em qualquer lugar do mundo civilizado são locais resguardados, ciosos da sua indispensável discrição. O nosso é de um provincianismo deplorável e irritante. Submete-se diariamente à visão do distinto público, como se o espetáculo dos togados deblaterantes representasse uma iguaria aos olhos do Brasil.

PARA QUE UM SUPREMO QUE ESTÁ LONGE DE SER SENTINELA DA CONSTITUIÇÃO? FARIA DIFERENÇA SE FECHASSE?

O Supremo tem, em primeiro lugar, uma função indispensável para o cumprimento da democracia: é sentinela da Constituição. Na prática do País verifica-se o contrário: o Supremo é uma entidade política a cuidar de assuntos contingentes com extrema prosopopeia e interesses particulares. É tudo o que não deve ser. São representativos dos ares que medram do casarão fronteiriço ao palácio do governo os seus ministros, embora valha dizer que, entre Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, ou Dias Toffoli, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Luís Barroso etc. etc., preferimos o primeiro, embora com graves ressalvas – apoiou o impeachment de Dilma Rousseff – e a ele juntaríamos Marco Aurélio Mello.

A mediocridade de Gilmar Mendes é, talvez, o que mais chama atenção, patética é a referência que ele faz, sempre que calha, aos estudos feitos na Alemanha, a despeito da sua escassa fluência na língua de Goethe. Aliás, o ministro me processou certa vez e perdeu em primeira instância. A juíza, senhora muito simpática, não escondeu uma risada especialmente sonora quando me atrevi a sustentar que o ministro Gilmar muito se parecia com Darth Vader, o vilão de Guerra nas Estrelas.

Uma investigação meticulosa à procura daquilo que poderíamos definir como o autêntico rosto do golpe teria o poder de traçar o perfil de um País brutalmente imaturo, desde a plebe rude e ignara e os seus pretendidos líderes. Está em jogo a verdade factual de uma terra maligna, por ora sem chance de redenção.

Publicado na edição n.º 1143 de CartaCapital, em 5 de fevereiro de 2021.

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