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O Brasil fora do mundo 

‘Não faltam os falcões da sustentabilidade fiscal preocupados com o crescimento dos gastos e com elevada carga da dívida pública’

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Enquanto os brazucas da equipe econômica estão imobilizados sob teto de gastos, o mundo se move, diria Galileu Galilei.  E pur si muove: ouço e leio com interesse as análises que tratam das ações dos Bancos Centrais e dos Tesouros Nacionais mundo afora. Descontadas as proezas do People’s Bank of China, sempre recorrentes em suas novidades, devo registrar as ousadias do Federal Reserve e do Banco Central Europeu.

Aqui estamos imobilizados pelo teto de gastos. Na Europa, EUA e China, BCs e Tesouros salvam as economias da catástrofe

A revista The Economist rasga encômios ao Banco Central Europeu, agora comandado por Cristine Lagarde, ex-diretora-gerente do FMI. Descolada de seu renitente conservadorismo liberal, a revista escreve: “Lagarde e o Banco Central Europeu   tiveram um ano decente. O banco tem agido de forma decisiva, evitando os erros da crise financeira de 2007-09 e os problemas da dívida soberana (dos periféricos europeus) de 2010-12. Desde o início do ano, injetou estímulos de  2,2 trilhões de euros na economia. Em contraste com a austeridade de uma década atrás, a política fiscal age em conjunto com a flexibilização monetária no âmbito da União Europeia. A nova oportunidade de coordenar a política monetária e os gastos do governo é um dos pontos fortes da senhora Lagarde”.

Prossegue The Economist: “… a vontade de Lagarde de se aventurar em áreas que a maioria dos banqueiros centrais considera terreno político causa alguma controvérsia entre os especialistas. “Sempre reverencialmente invocados pela imprensa brasileira, os “especialistas do mercado” desconfiam das relações mais intensas entre as ações do BCE e as manobras fiscais dos Tesouros Nacionais.

As investidas recentes do Federal Reserve receberam aprovação unânime na reunião de 4 e 5 de novembro do Comitê de Política Monetária. A ata do evento registra que “em relação às compras de ativos, os participantes do Comitê de Política Monetária do Federal Reserve julgaram que seria apropriado, nos próximos meses, o Federal Reserve aumentar suas aquisições de títulos do Tesouro e das Mortgage Backed Securities emitidas pelas agências de crédito imobiliário”.

Segue-se um chorrilho de recomendações heterodoxas: “Essas medidas continuariam a ajudar o bom funcionamento do mercado e contribuiriam para promover condições financeiras acomodatícias, apoiando assim o fluxo de crédito para famílias e empresas”.

Peço a atenção dos leitores de CartaCapital para a sequência da exposição contida na ata: “Muitos participantes julgaram que o Comitê pode melhorar sua orientação para a compra de ativos. A maioria opinou a favor de uma mudança para a orientação qualitativa baseada em resultados para compras de ativos”.

Os resultados desejados para as compras de ativos são aqueles relacionados “às condições econômicas”. Isto quer dizer: a orientação qualitativa para a compra de ativos deve avaliar o estágio da recuperação econômica, ou seja, a situação das empresas e das famílias, suas propensões a investir e a consumir.

Esses ensinamentos foram colhidos após o quantitative easing deflagrado pelo Fed na crise de 2007 e 2008. Escrevi, então, em parceria com Gabriel Galipolo, que a liquidez assegurada pelos Bancos Centrais permaneceu represada na posse dos controladores da riqueza acumulada, aqueles que rejeitam a possibilidade de vertê-la em criação de riqueza nova, ante o medo de perdê-la nas armadilhas da capacidade produtiva sobrante e do desemprego disfarçado nos empregos precários com rendimentos cadentes.

Os Bancos Centrais rebaixaram suas taxas de juro para o subzero, tentaram mobilizar a liquidez empoçada para o crédito e do crédito para a demanda de ativos reais ao longo do tempo. Mas a coisa não andou ou trotou a passos de Rocinante.  Os integrantes do Comitê aprenderam a lição.

Recentemente, Willem Buiter, ex-economista chefe do Citigroup, observou que a política de quantitative easing tem limitações para estimular a demanda agregada. Tais limitações devem-se, em boa medida, ao excessivo endividamento do setor privado. Este é obviamente o caso, neste momento, do setor corporativo não financeiro norte-americano e também da alavancagem das famílias. Isso descarrega a responsabilidade sobre os ombros da política fiscal, que pode e deve ser usada para estimular a economia.

Não faltam os falcões da sustentabilidade fiscal, preocupados com o crescimento dos gastos e com elevada carga da dívida pública. “Mas estes temores não devem ficar no caminho de um estímulo anticíclico temporário. Se houver preocupações a respeito da disposição do mercado em absorver emissões adicionais da dívida pública a taxas de juros toleráveis, o Fed deve se apresentar para monetizá-la.” Buiter seria demonizado no Brasil.

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