Artigo
É urgente mudar a formação de cientistas para o século 21
O simples domínio de conteúdos, procedimentos e técnicas já não é suficiente para a plena formação de cientistas


A Nature, uma das revistas científicas mais prestigiosas do mundo, publicou em janeiro o editorial “A formação no doutorado não é mais adequada – precisa ser reformulada já”. O texto destaca como os líderes mundiais exaltam a importância da ciência, independentemente de suas convicções ideológicas. Todos veem na ciência o elemento fundamental para a prosperidade do país, do bem-estar do seu povo e da competitividade frente às outras nações.
Dentre várias deficiências, uma é que, ao terminar o bacharelado, os alunos não estão preparados para um trabalho disruptivo e de natureza interdisciplinar, desafios presentes na maioria dos temas científicos em aberto.
Há ainda o anacronismo da prática de orientação baseada na relação individual e isolada entre orientador/orientado, modelo assentado nas experiências da Alemanha no século 19. Essa relação mestre/aprendiz não é mais sustentável ou recomendável em uma sociedade cujos desafios científicos envolvem trabalhos em equipe e temáticas multidisciplinares.
Os bacharelados no Brasil, entretanto, ainda são extremamente disciplinares e de vocação conteudista, não propiciando uma formação que conecte as diferentes áreas da ciência. Demasiadamente tutoriais, os métodos de aprendizagem ainda têm o professor como o grande protagonista da sala de aula.
Para atuarem como cientistas, ao lado de outros elementos inerentes à formação, há que se incentivar comportamentos ativos e trabalho em equipe. O drama é que os orientadores, na sua grande maioria, nasceram disciplinares, se habituaram a trabalhar isoladamente e se sentem inibidos na busca por temas de fronteiras.
O Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) criou há dois anos o bacharelado em Ciência e Tecnologia da Ilum Escola de Ciência, centro pioneiro de ensino superior baseado numa formação interdisciplinar, para enfrentar esses desafios do século 21.
Em aulas práticas, os estudantes de todo o Brasil ficam imersos nos laboratórios do CNPEM, em contato com modernas ferramentas experimentais, ao longo de três anos. Os alunos recebem computador, auxílios e moradia perto da escola, em Campinas (SP). Eles são treinados a pesquisar de forma independente e em equipe, sobretudo, em áreas estratégicas, como energias renováveis, meio ambiente, biotecnologia, conectados a um aprendizado profundo de ciência intensiva de dados, inteligência artificial e machine learning.
Como eles, os futuros cientistas devem estar preparados para um programa de doutorado a partir de uma relação diferenciada com seu orientador. O século passado permitia um nível de previsibilidade maior do que dispomos hoje. O simples domínio de conteúdos, procedimentos e técnicas já não é suficiente para a plena formação de cientistas.
Além de avançarem em sua área, os doutorandos precisarão das ferramentas adequadas e de estar capacitados a refletir sobre suas contribuições para produzirem conhecimentos originais e inovações ao longo de toda a vida.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.
O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.
Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.
Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.