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Catracas removidas

A Tarifa Zero também é uma eficaz política de desenvolvimento e segurança pública

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Proteção. Com ônibus legalizados e gratuitos, os trabalhadores não precisarão mais recorrer às vans clandestinas do crime organizado – Imagem: EPT/Prefeitura de Maricá
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Avança no mundo e precisa crescer no Brasil a visão da relevância do transporte público gratuito no combate ao aquecimento global, no desenvolvimento econômico justo, na qualidade de vida da população e na mobilidade social. A situação dramática das periferias das metrópoles e as experiências bem-sucedidas de cidades pioneiras na adoção efetiva da Tarifa Zero nos estimulam a propor a inclusão dessa política entre as prioridades da terceira gestão do presidente Lula. O impacto na economia e na vida social seria tão grande como o de programas exitosos dos governos liderados pelo PT, como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida.

O governo federal tem instrumentos suficientes de regulação, de articulação política e de financiamento para transformar o transporte gratuito em uma agenda contemporânea de reestruturação da economia, de enfrentamento corajoso das mudanças climáticas e de construção de um mercado de consumo tão grandioso como o nosso país continental.

A promiscuidade no relacionamento de empresas de ônibus com gestores públicos abriu para a política muitas páginas no noticiário policial. A ganância no setor de transportes passou também a atrair e fortalecer o crime organizado. A Tarifa Zero surge como uma ação que garantirá ao Poder Público o controle sobre o sistema, evitando a infiltração de esquemas ilegais e valorizando a ordem pública. Consequentemente, tornará mais seguro o deslocamento dos cidadãos. A gratuidade terá, assim, a propriedade adicional de se tornar uma ação de contenção do crime organizado, que há muito atua no sistema de transporte alternativo. Com ônibus legalizados e de graça à disposição, os trabalhadores brasileiros não precisarão mais se sujeitar à rotina sofrida em vans e ônibus de empresas obscuras.

A Tarifa Zero como política pública de âmbito nacional produziria impactos significativos na economia. De acordo com o IBGE, as famílias brasileiras gastam, em média, 17% de sua renda com transporte. O fardo pesado das tarifas limita a mobilidade social dos trabalhadores e das trabalhadoras. Sua eliminação liberaria recursos de toda a família para alimentação, educação, saúde e consumo em geral. Turbinaria o comércio e reduziria a pobreza. Foi o que ocorreu em cidades como Maricá, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Sem essa despesa, a renda das famílias mais pobres pode crescer até 4%, revela um estudo do Banco Mundial

Maricá foi o primeiro município com mais de 100 mil habitantes que adotou a Tarifa Zero em todo o seu território. Como consequência, experimentou um crescimento dos níveis de emprego e na pujança no comércio local. A experiência exitosa tem atraído o interesse de estudiosos e gestores de vários estados e até de outros países, tanto pelo efeito positivo que produziu sobre o comércio quanto pelo potencial de descarbonização do sistema de ônibus. Gratuito e com qualidade, o transporte público passará a ser bem mais atraente para grande parte das pessoas que hoje usam veículos individuais, como motos e carros particulares, mais poluentes.

Estudo do Banco Mundial indica que a redução dos gastos com transporte elevaria em até 4% a renda disponível das famílias mais pobres. Esse contingente enorme da população passaria a destinar esses recursos para consumir produtos e serviços locais, gerando empregos. O potencial dessa pauta desenvolvimentista já foi percebido por gestores de quase cem municípios no País, dos mais diversos espectros ideológicos, inclusive os de centro-direita. É o que comprova seu caráter de política de Estado, não de ideologia. Falta o governo federal abraçar a ideia e incluí-la definitivamente entre as reformas econômicas que começam a transformar o Brasil.

Menos carros nas ruas significa menos congestionamentos e menos emissões de poluentes atmosféricos. O Ministério do Meio Ambiente indica que o setor de transporte emite 47% do dióxido de carbono no País. A redução do tráfego permitiria viagens mais rápidas e menos estressantes para os passageiros, tornando as cidades mais atraentes, amigáveis e dinâmicas. Um grande e ambicioso pacote de mudanças no sistema de transporte nos grandes centros não pode deixar de incorporar a transição energética como meta, com a eletrificação ou mesmo a adoção do gás natural como combustível principal. São bandeiras estratégicas, do ponto de vista da diplomacia do clima, para o País que vai sediar a COP 30, centrada na transição energética, 23 anos depois de receber líderes políticos e ativistas de todo o mundo para começar a grande batalha contra o aquecimento global.

É hora de o governo Lula considerar essa proposta não apenas como benefício para os mais vulneráveis, mas também como um investimento no futuro sustentável e inclusivo de nossas cidades, bem como na segurança pública. Será um passo a mais em direção a um Brasil mais justo, seguro, sustentável e financeiramente equilibrado. •


*Deputados federais pelo PT do Rio de Janeiro e de São Paulo, respectivamente.

Publicado na edição n° 1315 de CartaCapital, em 19 de junho de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Catracas removidas’

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