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Uso das redes sociais e confronto ideológico marcarão disputa em SP

Para Wagner Pralon, novidade foi uso do tempo não para responder às perguntas formuladas, mas para remeter a audiência a outros canais

Foto: Divulgação/Band Foto: Divulgação/Band
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Por Wagner Pralon Mancuso*

Organizar um bom debate eleitoral pela TV é difícil. No debate presidencial dos EUA na terça passada, havia apenas dois candidatos, cada um deles com tempo razoável para expor suas ideias. No entanto, a falta de compostura de Trump, que interrompeu praticamente todas as falas de Biden, tornou aquele momento praticamente imprestável para uma discussão sobre os desafios daquele país para os próximos quatro anos.

Em contraste, os onze candidatos a prefeito de São Paulo presentes no debate de ontem à noite na Band deram um show de educação e respeito às regras. No entanto, dispunham somente de poucos segundos para abordar temas complexos como emprego, transporte, pandemia e cracolândia.

Por isso, uma novidade do debate foi o uso do tempo não para responder às perguntas formuladas, mas para remeter a audiência a outros canais, onde poderia conhecer mais a fundo as ideias dos candidatos sobre diversos temas. Daí o abuso de frases como: visite minha página na internet, veja meu canal no YouTube, consulte isto no Google, etc.

Novidade do debate foi o uso do tempo não para responder às perguntas formuladas, mas para remeter a audiência a outros canais

Outra coisa que chamou a atenção foi a natureza ideológica do debate. Costuma-se dizer que muitos partidos brasileiros são ideologicamente indefinidos. Isso pode ser verdade no que se refere ao adesismo de algumas agremiações aos governos de plantão, ou então na letra fria de alguns documentos partidários.

Porém, no calor do debate, foi possível claramente distinguir candidatos de esquerda, como Guilherme Boulos, do PSOL, Jilmar Tatto, do PT, ou Orlando Silva, do PC do B, que defenderam a ação vigorosa do poder público no combate à desigualdade social, e os candidatos de direita, como Filipe Sabará, do Novo, ou Arthur do Val, do Patriota, com uma defesa estridente do capitalismo, ou Celso Russomanno, do Republicanos, brandindo o apoio de Bolsonaro, presidente de extrema-direita, ou ainda Joice Hasselmann, em seus enfadonhos ataques ao fantasma do comunismo.

Marina Helou, candidata da Rede, procurou o tempo inteiro mostrar, a seu ver, em que consiste a ideologia da sustentabilidade, que segundo ela não se resume a “abraçar árvores”. As duas candidaturas mais indistintas ideologicamente foram as de Andrea Matarazzo, do PSD, e Márcio França, do PSB, ambos com profundas ligações históricas com o PSDB, o que de alguma forma esmaeceu as duras críticas que ambos fizeram ao tucano Bruno Covas, candidato à reeleição.

Outro eixo relevante do debate foi a clivagem governo x oposição. O prefeito foi um dos alvos preferenciais na noite, sendo alvejado de todos os lados, sobretudo pelo caráter perdulário de sua reforma no Anhangabaú, ou pela ligação com seu antecessor João Doria, que largou a Prefeitura antes da metade do mandato para tornar-se governador do estado. Invariavelmente, as respostas de Covas foram um amontoado de dados que a audiência não tinha condições de checar, dadas em tom baixo, monocórdico e burocrático, algo entre o equilíbrio e a falta de elã.

Outro eixo relevante do debate foi a clivagem governo x oposição

No atual contexto político brasileiro de forte polarização, a ligação de Russomanno com Bolsonaro é, ao mesmo tempo, um trunfo com que o candidato espera contar para chegar ao segundo turno, e um calcanhar de Aquiles que seus adversários esperam atingir, para imporem a ele mais uma derrota na corrida pela cadeira de prefeito. Sua fleuma forçada nas respostas, sobretudo no começo do debate, soou muito artificial.

Tatto, por sua vez, defendeu o legado positivo dos governos petistas, bem como suas próprias realizações como secretário municipal nos governos Marta e Haddad. Seus adversários procuraram reavivar o clima antipetista presente nas eleições de 2016 e 2018, mas a capacidade desta estratégia de dar certo é algo ainda a se verificar, uma vez que já se passaram quatro anos da última administração petista em nível nacional e municipal.

Boulos, com sua verve sempre apurada, orgulhosamente ostentou as realizações de sua vice, a ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina. Como o mandato da ex-petista, hoje no PSOL, terminou há 28 anos, resta saber se esta evocação ainda é capaz de produzir resultados eleitorais positivos.

Uso das redes sociais, confronto ideológico e embate governo x oposição. Esses são os traços que, a meu ver, marcarão a disputa a prefeito de São Paulo em 2020, pelo que pude perceber a partir do bom debate de ontem na Band.

*Wagner Pralon Mancuso é professor de ciência política da USP

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