Artigo
A imagem antipolítica e o debate eleitoral
Se não agirmos agora, no futuro, vencerão as imagens de candidatos que tiverem mais curtidas


Em meados dos século XX, Vilém Flusser já afirmava que toda imagem é antipolítica. A imagem transforma o mundo em CENA. Resumidamente, a imagem tem um papel de mediação ao significar o mundo e significando o mundo ela sempre irá esconder algo.
Não é de hoje que a democracia tem perdido seu lugar à mesa no debate público para a imagem. Sem cadeira, assistimos atônitos a mais uma temporada de “reality eleitoral”. Com a barbárie se impondo através do entretenimento, restamos como meros espectadores daquilo que nos serve a política atual: discursos carregados de ódio e ofensa. Onde quem vence é a audiência (likes) e quem perde somos nós.
Capturados pela imagem, é cada vez mais comum vermos candidatos deslocarem o eleitorado da tela da TV para a tela do celular, e, como em uma prática de marketing digital para venda, compartilharem em tempo real nas redes sociais denúncias, documentos e imagens contra adversários.
Sabemos que tudo isso é consequência direta da ausência de diálogo, onde não importa mais o raciocínio, a coerência do discurso e a experiência, mas sim e somente a imagem postada.O que aparentemente poderia ser uma tentativa de diálogo com as novas tecnologias, meios e gerações, no fim contribui para o esvaziamento do lugar da retórica e do debate de ideias. São tempos de cortes, de imagens fragmentos que se reproduzem na velocidade da luz para todos consumirem. É aqui que o termo “iconofagia”, cunhado pelo Professor Dr. Norval Baitello, da PUC-SP, nos fornece a exatidão do entendimento para o fenômeno de um tempo em que devoramos e somos devorados por imagens.
É nesse sentido que o lugar físico do encontro, agora vazio, é ocupado como um ringue pela violência, seja ela verbal ou física. Mas até quando iremos suportar esse tipo de conteúdo? É urgente repensarmos os formatos do que chamamos de debate público, eleitoral ou político. Precisamos repensar nossa relação com a imagem, caso contrário, aos poucos a democracia se tornará mais e mais folclórica.
A tarefa não é fácil, de fato.Não compreendemos e não temos respostas para todos os fenômenos, mas em termos básicos de teoria da informação, se a escolha mais simples entre duas possibilidades é o sim ou o não, precisamos, sem vacilar, dizer sim para a democracia e não para o show da barbárie.
Se não assumirmos o compromisso coletivo e real de barrarmos candidaturas que ameaçam a ordem democrática – mesmo que falha –, perderemos aquilo que ainda resta do que conhecemos por sufrágio universal. E, então, no futuro vencerão as imagens de candidatos que tiverem mais curtidas.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.
O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.
Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.
Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.