Artigo
A atual crise na Petrobras mostra como é importante a regulação
Tudo isso mostra que a regulação no setor de downstream não é simples, e raramente se restringe-se à esfera operacional e econômica.
Ao longo dos últimos dez anos, a gestão dos preços dos combustíveis no Brasil se tornou motivo de grandes debates. No final do primeiro governo de Dilma, os preços foram administrados e “represados” durante cerca de dois anos, gerando críticas sobre os efeitos negativos dessa medida.
A solução? Uma política de equalização dos preços internacionais com cotações internacionais, imposta desde a gestão Pedro Parente. Quatro anos depois, as constantes altas e o vaivém dos preços dos combustíveis no Brasil provocam dúvidas sobre eventuais equívocos dessa política.
Parte dos especialistas defende uma regulação mínima, mais concentrada em regras para coibir comportamentos monopolistas e abuso de poder de mercado. Outra parcela defende uma regulação mais ampla, considerando elementos como coordenação do mercado de abastecimento e da infraestrutura logística.
Os recentes aumentos de preços da Petrobras no diesel e na gasolina têm colocado em xeque a atual forma de reajuste da estatal, conhecida como PPI (Preços de paridade de importação), baseada no mercado internacional, nos custos internos e logísticos e na margem para remunerar riscos inerentes à operação.
Como, desde maio de 2020, as cotações internacionais subiram significativamente e a taxa de câmbio se manteve desvalorizada, o preço dos derivados das refinarias também encareceram.
O PPI reflete, de certa forma, os choques de mercados da indústria internacional de petróleo e de seus derivados. Além disso, permite que os importadores concorram com os produtos fabricados pela Petrobras. Para seus defensores, esses dois fatores impediriam as distorções de mercado.
Para os críticos, A PPI negligencia três aspectos fundamentais: a capacidade de atendimento do mercado interno, a coordenação do mercado de distribuição e a internalização da volatilidade do mercado internacional de petróleo.
Esses especialistas enxergam que a regulação do preço não deve se restringir à concorrência e à praticas abusivas, MAS também considerar outros fatores. O número de refinarias existentes, o tamanho do mercado interno, a capacidade de atender essa demanda com aprodução nacional, a existência de terminais de importação…
Esse imbróglio mostra que não apenas os preços, mas de toda a cadeia de downstream (refino, distribuição e comercialização) tem uma
complexidade regulatória muitas vezes ignorada por boa parte dos analistas do setor.
A cadeia de abastecimento se inicia com a produção de derivados de petróleo nas refinarias, e atividade exige uma série de controles regulatórios.
De forma geral, nos países com grande mercado consumidor, poucos players e infraestrutura mais limitada necessitam de um rigoroso mecanismo de coordenação do abastecimento. Sob grande demanda e uma menor capacidade de fornecimento, coordenar e planejar é fundamental. Caso contrário, há o risco de desabastecimento, imposição de preços abusivos, diferenciação regional de impostos entre outros problemas.
Os países com infraestrutura mais abrangente se preocupam mais com a regulação da concorrência e exigem menos em matéria de planejamento. Ainda assim, costumam fiscalização e monitoramento estatal do abastecimento, para evitar a escassez, bem como continuar investindo em infraestrutura.
Tudo isso mostra que a regulação no setor de downstream não é simples, e raramente se restringe-se à esfera operacional e econômica.
O mesmo vale para a regulação dos preços dos derivados. Existem diversas formas de gestão dos preços. As mais importantes, além da PPI, são a gestão de paridade flexível e o controle restrito dos preços.
A experiência internacional mostra que o PPI, via de regra, é adotado por países mais dependentes das importações
de petróleo. Um exemplo é a Austrália que, em 2019, importava mais de 60% de todo o petróleo consumido no País.
Mesmo assim, alguns desses países adotam instrumentos para “regular” os preços finais . Na Áustria, por exemplo, para suavizar o repasse da oscilação internacional das importações ao consumo interno, os postos de abastecimento foram proibidos de aumentar os preços da bomba mais de uma vez por dia. A medida protege o consumidor final da volatilidade do petróleo, e ao mesmo tempo
estimula a concorrência entre os revendedores, uma vez que o governo proíbe o preço de subir, mas não de cair.
A gestão flexível é mais comum em países onde produção de petróleo atende (quase) integralmente o consumo interno, mas que não são grandes exportadores. É o caso da Dinamarca. Embora em queda nas últimas décadas, a produção do país foi capaz de atender a
80% de sua demanda entre 2017 e 2019. As empresas do setor petróleo e de energia, portanto, se tornaram instrumentos importantes para regular o setor.
O país nórdico criou uma reforma fiscal para auxiliar na regulação dos preços dos derivados alterando as faixas de tributação segundo o valor do barril de petróleo. Em momentos de alta do barril, os impostos são reduzidos e o contrário também ocorre. Com isso, a tributação tem um papel contracíclico para o preço.
Nas regiões que são exportadoras de petróleo, há um controle muito rígido dos preços dos derivados, pois eles se aproveitam dessa
condição para subsidiá-los. Nos momentos em que o barril do petróleo fica mais caro no mercado internacional, esses países que são
exportadores aumentam seu ganho de divisas internacionais. Esse ganho “excepcional” auxilia essas nações a subsidiar os preços dos seus
derivados.
A regulação, portanto, independente da forma que é implementada, sempre será um tema na importante na indústria de petróleo, não apenas nas etapas de produção, mas também no refino, na distribuição e na comercialização.
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