Sociedade
Papa condena proselitismo religioso que força conversões na Amazônia
‘Quantas vezes houve colonização em vez de evangelização! Deus nos preserve da ganância dos novos colonialismos’, disse Francisco
        
        As reuniões do Sínodo da Amazônia começaram na manhã desta segunda-feira 7 no Vaticano. O papa Francisco, falando em espanhol, voltou a condenar o proselitismo religioso que força conversões e “aniquilou civilizações”, em uma nova referência à catequização imposta aos povos amazônicos durante séculos.
O papa repreendeu quem criticou, dentro do Vaticano, a participação de um índio com um cocar de plumas na missa de abertura do Sínodo, no domingo 6, na Basílica de São Pedro. “Que diferença há entre usar um cocar ou um chapéu cardinalício”, perguntou Francisco à plenária. No domingo, durante o ofício inaugural do encontro, o papa questionou: “Quantas vezes houve colonização em vez de evangelização! Deus nos preserve da ganância dos novos colonialismos”. Ele também utilizou uma metáfora para condenar o aumento dos incêndios na floresta: “O fogo ateado por interesses que destroem, como o que devastou recentemente a Amazônia, não é o do Evangelho”.
Para se “retratar” da imposição religiosa arbitrária aos povos originários nos últimos cinco séculos, o papa conclamou a Igreja Católica a “reacender o dom” da evangelização e “receber a prudência audaciosa do Espírito”. Um discurso que sinaliza a vontade do papa de deixar definitivamente para trás o passado de opressão e conversões forçadas e apresentar a Igreja com uma nova roupagem na Amazônia, sem “devorar povos e culturas”.
As reuniões do Sínodo iniciadas nesta segunda-feira se estenderão pelas próximas três semanas em duas sessões, uma de manhã e outra à tarde. A plenária discutirá os temas abordados no documento preparatório para o Sínodo, que vão desde a participação das mulheres na Igreja até a presença eclesial nas áreas urbanas da Amazônia, passando pela posição que a Igreja deveria ter diante de povos indígenas em isolamento voluntário e o papel da comunicação católica para apresentar uma “nova Igreja” de rosto amazônico. A plenária é composta por 185 religiosos dos nove países da Amazônia – entre eles 58 brasileiros –, além de auditores e auditoras, especialistas leigos, delegados de outras confissões religiosas e lideranças indígenas.
O Sínodo da Amazônia foi convocado pelo papa em 2017. Os últimos dois anos foram dedicados à fase de preparação para a discussão final que começou nesta segunda. Na fase preparatória foram enviados questionários aos fiéis com perguntas cujas respostas ajudaram a formular o documento central que guiará os debates.
Esse momento de reunião no Vaticano é chamado de fase celebrativa, que precede a fase de atuação na qual as decisões do Sínodo, uma vez aprovadas pelo papa, passam a valer para toda a Igreja ou conforme outras determinações específicas do pontífice.
Uma curiosidade do Sínodo é a comissão para as controvérsias, uma das menores, com apenas três membros mas, ao que tudo indica, será uma das mais solicitadas durante o encontro no Vaticano.
Sínodo terá repercussão política no Brasil
A questão dos crimes ambientais e do retrocesso nas políticas de proteção aos povos indígenas colocam o Sínodo em posição antagônica ao governo brasileiro. Nos rincões da Amazônia, onde as ausências do Estado e da Igreja deixam uma grande lacuna, a vulnerabilidade das tribos é maior. A única proteção desses povos é a floresta, e o Sínodo vai ser muito crítico em relação ao aumento do desmatamento e das queimadas.
O reconhecimento e a oficialização do papel das mulheres na Igreja Católica da Amazônia também deverão esquentar os debates predominantemente masculinos no Vaticano. Dentre as pouquíssimas mulheres convidadas para o Sínodo – a maioria é de religiosas ou funcionárias católicas da Santa Sé –, poucas serão as vozes femininas leigas não ligadas à Igreja Católica.
Já no contexto da ecologia integral defendida pelo papa, cientistas e especialistas em meio ambiente de todo o mundo foram convidados a participar dos debates no Vaticano. Para Francisco, ciência e religião podem caminhar lado a lado, com base em um diálogo recíproco e respeito às diferenças, palavras-chave para assegurar o futuro da floresta e de seus povos.
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