Política

PSL de Bolsonaro aposta no farto fundo partidário para eleições 2020

Se o Congresso aprovar 3,7 bilhões de reais para os partidos, a legenda terá meio bilhão em caixa no ano que vem

PSL de Bolsonaro aposta no farto fundo partidário para eleições 2020
PSL de Bolsonaro aposta no farto fundo partidário para eleições 2020
PSL, de Joice, minguou. Foto: Reprodução redes sociais PSL, de Joice, minguou. Foto: Reprodução redes sociais
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“Se o seu jeito é radical contra a corrupção, liberal para a economia de mercado, amigo da transparência, estamos do mesmo lado.” A manjada frase poderia caber na propaganda de uma dezena de partidos brasileiros. Mas é, na verdade, enxerto de um comercial recém-lançado pelo PSL. Depois de um começo de êxito inesperado, a sigla de Jair Bolsonaro espera chegar às eleições municipais de 2020 com a marca de 1 milhão de filiados e estrutura nacional forte o suficiente para abocanhar o maior número possível de prefeituras e vagas nas câmaras municipais.

A primeira bala em direção a este alvo foi disparada no sábado 17, dia em que o partido promoveu um encontro nacional para aumentar o rebanho. Abastecido com a maior fatia dos fundos partidário e eleitoral, o PSL alugou salões em hotéis cinco estrelas para sediar o evento simultâneo em 72 cidades. O dinheiro financiou ainda a produção do vídeo mencionado acima, que em nada lembra o material mambembe e em baixa resolução da campanha de 2018 e demorou duas semanas para ser concebido sob a batuta da prestigiosa FSB Comunicação. Foram escalados 50 atores – de etnias, idades e gêneros variados – na tentativa de fisgar novos filiados.

No partido, essa ofensiva é encarada como parte de um processo de amadurecimento. O discurso antipolítica repousa agora em uma gaveta. “Temos vários militantes de rua que migraram para a vida partidária. Nossa intenção é ter uma estrutura sólida”, disse a CartaCapital um burocrata pesselista que preferiu não se identificar. Em meio à crise de identidade nas legendas do “Centrão” e do PSDB, o partido enxerga uma oportunidade de consolidar uma hegemonia. Quer base, militância e capilaridade. Sai de cena a legenda de aluguel, entra o “partido da direita”.

Por conta dos resultados eleitorais de 2018, o PSL vai receber neste ano 110 milhões de reais dos fundos públicos. De janeiro para cá, embolsou mais de 47 milhões, segundo dados do TSE. Ganharam investimento e algum fôlego as alas mundialistas Jovem e Mulher, além da Fundação Indigo, balão de ensaio para os planos megalomaníacos de Eduardo Bolsonaro. Se o Congresso aprovar neste segundo semestre o valor de 3,7 bilhões de reais para o fundo eleitoral, a legenda terá quase meio bilhão em caixa para a disputa em 2020.

Se o Congresso aprovar 3,7 bilhões de reais para os partidos, a legenda terá meio bilhão em caixa em 2020

As peças desse xadrez começaram a ser movidas. Em São Paulo, o partido está, ao menos por ora, unido em torno do nome da deputada e dublê de jornalista Joice Hasselmann. A edição paulista do evento de filiação foi praticamente uma ode à candidatura da parlamentar. No Rio de Janeiro, Bolsonaro defende a indicação de Hélio Lopes, amigo dos tempos de Exército eleito sob a alcunha de Hélio Bolsonaro. A meta é lançar candidatos em todas as capitais e cidades com mais de 100 mil habitantes.

No radar estão o ocaso parlamentar do MDB, a crise de identidade no PSDB e a paralisia do PT diante da prisão de Lula e dos desmandos da Lava Jato. Os três partidos, apesar dos reveses, ainda ocupam o pódio em popularidade e poder político. Além de governar uma em cada cinco cidades brasileiras, o MDB lidera o ranking dos filiados, com 2,4 milhões, seguido pelo PT (1,6 milhão) e PSDB (1,4 milhão). Já o PSL, segundo dados do TSE, tem hoje 271 mil e ocupa o 15º lugar no ranking. A inspiração nos petistas, aliás, é recorrentemente lembrada por lideranças e agentes que atuam nos bastidores. Do alto ao baixo escalão, é clara a intenção de mimetizar o modus operandi do adversário. Segundo o cientista político Christian Lynch, da Uerj, Bolsonaro trabalha para se tornar o “Lula do PSL”. O plano, completa, não necessariamente está ligado ao que o ex-presidente efetivamente representa. “Certamente, Bolsonaro imagina que Lula é o dono inconteste de um grande partido, e o seu, por assim dizer, é o PSL.”

Bivar e o capitão dividem os interesses na consolidação da ex-legenda de aluguel

A legenda parece também ter reeditado a “teoria dos terços” consagrada por Duda Mendonça na primeira eleição de Lula, em 2002. Segundo o marqueteiro, havia 30% do eleitorado que sempre votaria em Lula, e um outro terço antipetista empedernido. Os que sobram flutuariam entre um campo e outro. Se, a partir de 2002, Lula superou com folga a barreira, Bolsonaro parece estar mais preocupado em manter entretido o seu terço e em fragmentar a oposição.

As pesquisas CNI/Ibope feitas desde a posse mostram que o porcentual daqueles que consideram o governo ótimo/bom e os que o julgam ruim/péssimo está cristalizado na casa dos 30%. Um número pífio para um governante em início de mandato: Bolsonaro é o mais impopular nesta fase desde a Era Collor. No novo jogo viciado da democracia, pode ser o bastante, no entanto, para garantir sucesso eleitoral. “A diferença é que o PT levou anos para se consolidar e se enraizar, ao passo que o PSL, como o próprio Bolsonaro, ainda não o fez. Bolsonaro está ocupado com o trabalho de sedimentação, no triplo da velocidade do PT. Daí a violência que tem exercido para aparelhar o Estado”, avalia Lynch.

O jornalista Alexandre Garcia, ex-Globo, foi uma das estrelas do evento do PSL em Brasília

Outro que tem manifestado o pendor municipalista é o Movimento Brasil Livre. Nos últimos tempos, o grupo ensaiou um mea-culpa e prometeu focar nas eleições municipais. Lynch alerta, porém, que a estratégia depende da viabilidade de um projeto alternativo ao bolsonarismo. “Se a esquerda se recuperar e não houver alternativa para que esse lugar ideológico perdure de modo autônomo, o MBL volta correndo para o colo do Bolsonaro.”

O cenário é mais incerto no campo progressista. No PDT, que sinaliza voos-solo nas capitais, o jogo está embaralhado desde a decisão de restringir a legenda a quem integrar “grupos de financiamento externo”. A dobradinha PSOL-PT em torno da candidatura de Benedita da Silva no Rio esfriou. O partido de Lula decidiu esperar as eleições internas, marcadas para novembro. Embora o assunto tenha entrado em pauta no último encontro nacional, as ações ainda são embrionárias. Uma equipe foi destacada para rodar o Brasil e colher as demandas das cidades. “Em Mato Grosso do Sul, já governamos mais de 40% das cidades. Tem políticas experimentadas. Estamos indo a campo para lutar”, explica a ex-ministra Ideli Salvatti. Naquele estado, um dos redutos caros ao PSL, o ex-governador Zeca do PT lidera uma articulação com outras legendas para barrar a ascensão bolsonarista e compor chapas nas cidades mais importantes.

A agremiação almeja lançar candidatos em todas as capitais e cidades médias

Fundado há 25 anos, o PSL está há 21 sob o comando de Luciano Bivar, empresário pernambucano que enriqueceu com a venda de seguros habitacionais. Eleito deputado em 2018, Bivar só deixou a cadeira durante as eleições, a pedido de Bolsonaro, em favor de Gustavo Bebianno. Há quatro anos, uma dissidência dita liberal, o Livres, ensaiou uma renovação do partido, mas se viu obrigada a desfiliar-se após a agremiação cair nas mãos de Bolsonaro. Apesar do número inexpressivo de votos, Bivar embolsou a maior fatia do fundo eleitoral. Dos 9,2 milhões de reais recebidos pelo PSL, a campanha do deputado ficou com 1,8 milhão, quase 20% do total. O dinheiro serviu para contratar, por 250 mil, serviços de uma empresa pertencente ao próprio filho. Além disso, Bivar ainda precisa explicar o escândalo do “laranjal”.

Também podem minar esses planos as disputas locais pelo poder. Dos 145 políticos que a sigla elegeu no ano passado, 78 passaram por outros partidos. Esse balaio de gatos virou terreno propício para o fogo amigo. Em São Paulo, o partido divide-se em dois núcleos: um orbita em torno de Joice Hasselmann e outro do senador Major Olímpio. Hasselmann não conta mais com o apoio de Alexandre Frota, expulso. A entourage de Olímpio inclui Eduardo Bolsonaro e Carla Zambelli. Sobram ataques até ao presidente, que, aliás, não gravou vídeo para a campanha de filiação. Para alguns interlocutores, a omissão sinaliza que o ex-capitão ainda não descarta mudar de sigla ou criar uma nova.

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