

Opinião
A Argentina estrebucha nas garras de mais uma crise cambial
Nos últimos 40 anos de abertura das contas de capital, os colapsos multiplicaram-se nas economias emergentes


Na segunda-feira 12 de agosto, os mercados mandaram mais um recado de desagrado aos eleitores argentinos. O peso desabou e a Bolsa despencou em meio à celebração dos “populistas”.
As manchetes e os colunistas dos jornais brasileiros deploraram a derrota do liberal Mauricio Macri nas primárias. Os lamentos, porém, não pouparam o gradualismo da política econômica do presidente argentino. Essas testemunhas de acusação, diga-se, são as mesmas que recomendaram um ajuste duro e implacável para a economia brasileira depois das eleições de 2014. Os porta-vozes dos mercados diziam que era preciso recuperar a confiança.
Resumindo: se o indigente emergente arrumar a casa e seguir os cânones do tripé macroeconômico, os investidores ganham confiança e inundam o menino bem-comportado de investimentos diretos e compram confiantes títulos de dívida públicos e privados. Como bem sabem os brasileiros, a confiança enfunou as velas e a economia vai de vento em popa.
Já a Argentina estrebucha nas garras de mais uma crise cambial. É preciso acentuar a expressão “mais uma”. Mais uma, entre as tantas que acometeram a economia dos hermanos no século XX e na aurora do século XXI.
O leitor atento de CartaCapital certamente guarda na memória os prodígios de Martínez de Hoz nos anos 1970. Empolgado com a abundância de petrodólares, tal como seu colega brasileiro Mário Henrique Simonsen, o “Mago de Hoz”, promoveu a valorização do peso. As duas experiências de valorização cambial e endividamento externo naufragaram no maremoto da crise da dívida dos anos 1980.
Nascida dos escombros da crise da dívida, a conversibilidade de Domingo Cavallo, uma velharia colonial, foi reinventada no início dos anos 1990 para tirar a Argentina da hiperinflação. Um peso valia um dólar. A euforia dos primeiros anos de plata dulce desapareceu com a sucessão de crises financeiras: primeiro o México, logo depois a Ásia, culminando na desvalorização brasileira de 1999, o começo do fim.
Nos últimos 40 anos de abertura das contas de capital, as crises se multiplicaram nas chamadas economias emergentes. Do México à Argentina, passando pela Ásia e pela Rússia – sem se esquecer do Brasil –, as economias balançaram, açoitadas por crises cambiais e financeiras.
A experiência das globalizações financeiras – aquela das três derradeiras décadas do século XIX, assim como a dos nossos tempos, a era do Lobo de Wall Street – demonstra que os humores dos mercados financeiros globalizados, em sua insaciável voracidade, impõem suas razões às políticas monetárias e fiscal dos países de moeda inconversível que abrem suas contas de capital, surfam nos ciclos de crédito externo e tornam-se devedores líquidos em moeda estrangeira.
Foram tão persistentes as lições da “realidade” que nem mesmo os defensores da abertura financeira resistiram à precariedade de suas sabedorias. No início da primeira década do terceiro milênio, os relatórios do FMI e do BIS já cuidavam de alertar os emergentes para os riscos inerentes aos ciclos de crédito e endividamento externo e sua procissão de incidentes cambiais, monetários e fiscais.
Estudos recentes, como o de Gerald Epstein, da Universidade de Massachu-setts, demonstram: os países que mantiveram controles sobre os fluxos de capitais e sobre a taxa de câmbio tiveram maior sucesso em suas políticas macroeconômicas e de crescimento. O grupo de países que adotaram medidas prudenciais na posteridade das crises dos anos 1990 – Chile, Colômbia, Índia, Cingapura, Taiwan, Malásia e China – atravessou as turbulências da finança global exibindo maiores taxas de crescimento, menor volatilidade do PIB, melhor desempenho fiscal e reduzida vulnerabilidade nas contas externas.
Nas economias de moeda não conversível, como o real brasileiro e o peso argentino, a mobilidade de capitais tende a produzir valorizações indesejadas, seguidas de desvalorizações abruptas. Os regimes de taxa de câmbio flutuante não conseguem amenizar o baque e as autoridades monetárias do país de “moeda fraca” – com “ponto de compra” imprevisível – são tentadas a vender reservas ou subir as taxas de juro para estabilizar o curso do câmbio. Não funciona. Se as reservas são baixas diante de um passivo financeiro elevado em moeda estrangeira, tais medidas desesperadas acentuam a desconfiança na moeda local e aceleram a fuga de capitais.
Agora o Brasil sofreu danos mitigados com o “Efeito Orloff”, contágio que nos atormentava nas crises cambiais argentinas. Isso, graças ao quase desaparecimento da dívida pública em moeda estrangeira e às reservas cambiais acumuladas nos governos Lula. Heranças malditas da esquerdalha.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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