Sociedade
Espaço Marielle Vive mistura resistência e formação política. Conheça
Sem qualquer vigilância ideológica ou partidária, os participantes devem ser indicados por uma instituição ou movimento popular
Há menos de 100 metros da Vigília Lula Livre, em Curitiba, um portão branco separa os sonhos da realidade. Em uma pequena casa decorada com muros e painéis, milhares de pessoas se revezam faz cerca de um ano. Trata-se do Espaço Marielle Vive, um centro de formação política e cultural onde militantes políticos, lideranças populares e cidadãos anônimos discutem o Brasil e o mundo. “Por aqui já passaram mais de 40 mil pessoas vindos de todos os cantos do planeta. Até do Uzbequistão veio gente. Todos, sem exceção, vieram manifestar apoio e solidariedade ao ex-presidente Lula” conta Cristófes ‘Tylle’ Chaves, um militante petista de Santo André (SP), que chegou à capital paranaense um dia após a prisão de Lula e desde então não arredou pé.
A ideia nasceu a partir das discussões coletivas logo após a chegada do ex-presidente à Policia Federal. Era uma espécie de rodas informais, principalmente com jovens, para debater e entender a prisão do líder petista. O embate inicial foi tentar saber quanto tempo ele ficaria detido. “À medida que o tempo passava, aquilo foi crescendo, somando, se intensificando. Eram pessoas vindas de todos os lugares do País. Foi quando tive a percepção que era preciso ampliar a discussão. Daí, nasceu a ideia de um local apropriado”, lembra Tylle. Até então, as conversas eram informais nas ruas ou no coletivo de uma casa onde ele, inclusive, estava acampado.
A primeira medida era encontrar o local. Uma residência precária foi alugada e reformada. Todo o trabalho foi executado por militantes, principalmente com o apoio de integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. “Começamos com a cara e a coragem. Não havia dinheiro de nenhuma instituição. Apenas doações voluntárias”. Tylle foi o ‘arquiteto’ do projeto. As madeiras vieram dos acampamentos do MST e a mão-de-obra foi dividida pela militância. Em poucos meses, o que parecia impossível tomava corpo e ganhava espaço.
Aliás, ainda hoje, o espaço resiste e sobrevive sem qualquer ajuda institucional ou partidária. “Todas as nossas despesas são mantidas por meio de contribuições voluntárias. As pessoas que conhecem o projeto nos auxiliam. Recebemos doações daqueles que nos visitam, de militantes locais, material de consumo e até alimentação. Mas não temos nenhum compromisso por questões financeiras”, diz Tylle.
Um dos objetivos principais do projeto, além da defesa incondicional do ex-presidente Lula, é mante-lo sem rótulo partidário. Se a maioria ainda é composta por militantes do PT, o nome foi uma homenagem à vereadora do PSOL assassinada pelas milícias cariocas. O espaço tornou-se um centro de discussão e formação política e cultural. Por lá já estudaram mais de 1.200 pessoas em cursos e treinamentos, inclusive do exterior, onde são debatidos temas políticos nacionais e internacionais, análise de conjuntura como a luta pela terra, reforma agrária; a luta das mulheres, das minorias; debates culturais e discussões que abordem questões no campo progressista. “A grandeza deste espaço é sua multiplicidade de opiniões. A liberdade de cada um falar o que pensa. Somos livres para pensar e expor nossas opiniões”.
Sem qualquer vigilância ideológica ou partidária, os participantes devem ser indicados por uma instituição ou movimento popular. As turmas contam com cerca de 60 pessoas, e o treinamento dura, em média, entre 10 e 15 dias. “Não recebemos nenhuma orientação do PT da forma como devemos agir. O coletivo é que decide as regras e normas. São pessoas de várias tendências, partidos ou movimentos populares”. Em dezembro último, por exemplo, 480 integrantes do PSOL estiveram no Espaço. A regra fundamental é justamente àquela que deu origem ao Partido dos Trabalhadores: buscar as bases para discutir a realidade do País.
Como militante petista, Tylle acredita que este exemplo seja uma maneira do partido retomar o contato com às bases. Para ele, durante o período dos governos Lula e Dilma, o PT se afastou das comunidades que sempre deram sustentação política. “O PT nasceu das bases sindicais e dos movimentos populares. Ser governo durante 14 anos o afastou desta realidade. A lição foi amarga e aí está. Mas agora é preciso retomar e voltar às origens. Fazer inclusive, uma autocrítica de todo este processo”.
A semente foi plantada. Toda a mobilização política no espaço gira em torno da prisão de Lula. Mas, e quando o ex-presidente for solto, liberto? “O projeto deve continuar. Não pode parar. Imagino que a lição foi apreendida. A nossa luta no Espaço é por mudanças sociais, onde cada movimento, cada partido deve optar dentro do seu processo de luta. Um espaço plural e democrático”.
Sem dúvida, trata-se de um projeto audacioso. A audácia que se transforma em esperança.
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