Opinião

Educação no mercado: Kroton vai às compras

Em artigo, deputada federal reflete sobre a aquisição da Somos Educação pela Kroton Educacional e os riscos que se projetam sobre a educação pública

Educação no mercado: Kroton vai às compras
Educação no mercado: Kroton vai às compras
Créditos: Tomaz Silva/ Agência Brasil|Créditos: Mídia Ninja |
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Por Margarida Salomão

O Brasil é verdadeiramente o país dos contrastes. Tanto que, apesar de ser pobre no investimento público em educação, é o país que possui o maior grupo educacional do mundo! Grupo que acaba de expandir seus negócios comprando um de seus principais concorrentes por módicos R$ 4,56 bilhões.

A compra do Somos Educação (antiga Abril Educação) pela Kroton Educacional não pode ser vista apenas como mais uma operação no mercado, mas deve ser avaliada pelo que significa de risco à educação como projeto público nacional, direito assegurado na Constituição Federal.

A provocação foi feita pelo professor João Carlos Escosteguy Filho, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ). Cerca de 20% dos estudantes brasileiros estão matriculados na rede privada de educação. Seria tolo pensar que negócios como o que discutimos não tenham como objeto a ampliação desse percentual. Melhor ainda: ampliação do mercado privado através de seu subsidiamento com recursos públicos. Como já se faz na educação superior.

Não estamos tratando de uma alucinação, mas de uma possibilidade bastante provável, consideradas as presentes manifestações do MEC e da ala privatista da educação no Congresso Nacional.

Mês passado denunciamos o Ministério da Educação por suspender o Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), medida que garantiria recursos mínimos para o ensino básico. Ao mesmo tempo, criticamos a sugestão de que até 40% da educação média passasse a ser oferecido na modalidade não-presencial, medida proposta pelo Conselho Nacional de Educação com base na antirreforma do Ensino Médio.

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De um lado, enfraquece-se a infraestrutura pública da educação básica. De outro, barateiam-se as suas condições de provimento, tornando-as mais atrativas para o empreendimento privado, que pode investir o mínimo possível e reduzir seus gastos com professores.

Para confirmar esta afirmativa basta olhar em volta. A Kroton esteve para comprar a universidade Estácio de Sá no decorrer de 2016, operação afinal frustrada pelo Cade. O negócio já previa a demissão de funcionários, como noticiado à época . Aliás, a Estácio é a mesmíssima instituição que demitiu um batalhão de professores logo após a aprovação da reforma trabalhista.

De outro modo, a Kroton torna-se beneficiária do governo federal por mais uma via. Isso porque assumirá o controle de editoras como a Scipcione e a Saraiva, especializadas em livros didáticos e, portanto, com acesso a cerca de 33 milhões de estudantes de escolas públicas, influenciando diretamente o próprio oferecimento dos conteúdos.

Isso em tempos de Escola sem Partido e outras bandeiras perversas. Que, como bem lembra o já referido professor Escosteguy, são constantemente defendidas por Eduardo Mufarej, por sua vez sócio da Tarpon Investimentos, que, aliás, controlava a Somos Educação – um círculo perfeito!

Educação não é mercadoria. É direito. Caso não recuperemos a iniciativa de defendê-la ante o assalto do setor privado, a educação corre o risco de em breve se tornar um outro produto qualquer, como a cerveja Budweiser ou o Burguer King – marcas de propriedade do brasileiro José Paulo Lehman, também dono da rede de ensino privado Eleva. Como se vê, nem é mais o caso de fechar o círculo, mas de impedir a sua quadratura!

Margarida Salomão, deputada federal (PT-MG)

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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