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Para destruir um país

Para destruir um país é preciso vontade e organização. Funcionários graduados e articulações de alto coturno. É preciso voar baixo, é preciso sigilo noturno

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Para destruir um país é preciso muito mais que coragem. Mais que clareza, oportunidade, desejo. Mais até que determinação. Para destruir um país é preciso vontade e organização. Funcionários graduados e articulações de alto coturno. É preciso voar baixo, é preciso sigilo noturno. Conluio no escuro.

É preciso viajar de norte a sul para comprar deputados de amarelo e azul. Cento e quarenta belzeblues. É preciso estômago de bode e muita birita. E apontar com dedo carcomido quem acabou de chegar na desdita. Suruba aflita do Tio Sukita!

Reflita. Para destruir um país é preciso muito mais que desmontar hospitais, a começar dos médicos cubanos que têm colhão: nunca jamais voltarão. Aos brasileiros castração. Caiçara diarreia, caipira com sezão. Abandono de tudo. Que situação!

Para destruir um país é preciso querer muito. Arregimentar esforços. Angariar votos. Oferecer jantares. Para destruir um país é preciso vender tudo sem esgares. O que não for de se vender, é regalar. Dar para quem quiser pegar. Para destruir um país é preciso roubar. Mentir. Fingir. Tripudiar.

Para destruir um país é preciso muito mais do que tentar e ver se cola. É preciso solapar de vez a escola, fazer do salário esmola, tratar professores como escória e deixar que as crianças pensem que só os desesperados se habilitam a profissão tão inglória.

Para destruir um país é preciso destruir sua memória. Que em cinquenta anos ninguém se lembre de agora. Matar os índios, estuprar as negras, ódio às quilombolas que nem para procriar servem. Desregular, poluir e deixar queimar como nunca antes na história deste país.

Que o Brasil se despedace em tantos paisitos quantos necessários para alimentar a fome que o mundo tem de nós. Na serra dos Carajás, a Manganésia. Em Araxá, a Niobilândia. Em Sorriso do Mato Grosso, a Sojácia. Em São Lourenço, a União Aquífera Continental. Em Salvador, Music Bambata Inc. Em Macaé, Petrólia Green. Em Ipanema, o Bundastão. Que situação…

Para destruir um país é preciso tirar os parafusos, desmontar as peças e vender tudo na feira. Rasgar o manual e desaprender a ler. Brasileira besteira. De tudo e mais um pouco que aqui se obtém por qualquer vintém. Desde os tempos de Cabral, quem foi que pagou a quem?

Para destruir um país não basta apagar seu passado, nem tampouco corromper seu presente – que isso é pouco e ninguém sente. Para destruir um país precisa mesmo é sufocar seu futuro, cauterizar seu porvir, cortar as veias abertas de seus sonhos de crescer para sangrar o que ainda nem veio a ser. O devir.

Cortas bolsas. Suspender pesquisas. Desperdiçar os jovens que se formaram e não se empregarão. Dar por perdidos os que nem se formaram. E os que nunca vão.

Perda de tempo, cérebros, soberania e visão. Assum preto no tição. Furar os olhos, perder o chão. Para destruir um país é preciso Temer a verdade. Correr com isso antes que seja tarde. Mas não basta ser covarde e ladrão. Tem que ser traidor do povo e inimigo da nação.

*Sidarta Ribeiro é professor titular de Neurociências do Instituto do Cérebro da UFRN. 

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