Antonio Nóbrega prepara livro sobre a cultura brasileira: ‘Há um vazio na compreensão desse universo’

Inquieto com o que conheceu sobre a cultura brasileira ao longo da carreira, Antonio Nóbrega, 73 anos, decidiu escrever um livro para desmistificar alguns aspectos sobre manifestações e expressões artísticas do País.

“Eu me dei conta de que há um grande vazio em relação à compreensão desse universo cultural”, afirmou, em entrevista a CartaCapital. Multiartista e pesquisador de cultura popular, ele pretende dedicar seu tempo em 2026 a terminar o livro.

Um dos pontos abordados na obra se refere às manifestações e aos saberes culturais seculares do País, na maioria das vezes tratados como algo isolado e exótico, sem influência na cultura contemporânea.

Para ele, não é correto associar a cultura brasileira à palavra “folclórica”, que, segundo a visão eurocêntrica, trata de algo em processo de extinção. No Brasil, ao contrário, ele vê as manifestações populares bastante presentes, a exemplo da folia de reis, do bumba-meu-boi e da ciranda, entre muitas outras.

“O que chamamos de folclore é a cultura das camadas populares brasileiras. Existe uma cultura popular brasileira cujas referências estão na cultura dos povos indígenas, dos povos africanos e das classes desabonadas de Portugal”, explica. “Trata-se de um acervo cultural substancioso e dinâmico, que deveria ser encarado com outra visão, que já deu provas de sua vitalidade através da criação de gêneros musicais como o samba, o baião, o frevo, o choro.”

O multiartista vê as manifestações das camadas populares como pilares da cultura nacional. Para Nóbrega, devido ao fato de a cultura popular ter sido veiculada predominantemente pelos negros, a classe dominante tratou de diminuí-la, chamando-a de “desonesta, lasciva, demoníaca”. 

“Me insurjo às vezes com o conceito afro-brasileiro, porque toda produção estética brasileira, no fundo, é afro-brasileira”, reflete. “O frevo, por exemplo, é afro-brasileiro porque vem da pulsação do batuque.”

Outro ponto que Nóbrega levanta é a não conceituação de uma dança brasileira. “O que existe é a dança folclórica ou a dança dos palcos, nutrida a partir do contemporâneo e da dança clássica”, diz. Ele questiona por que não existe uma dança brasileira como síntese de nossos acervos culturais. 

De acordo com ele, os elementos da cultura brasileira são a cultura negra de base Banto, a cultura indígena Tupi e a das classes populares portuguesas. Um dos exemplos que ele cita é o tambor de crioula no Maranhão, com mais semelhanças do que diferenças com o carimbó do Pará, com o batuque paulista, com o coco de roda pernambucano e com o jongo do Rio de Janeiro. 

No livro que pretende lançar em breve, Antonio Nóbrega buscará exatamente jogar luz nessas imprecisões. “A cultura brasileira precisa ser melhor examinada.”

Assista à entrevista: