Do Micro Ao Macro
Obrigações emocionais de fim de ano ampliam o esgotamento das mulheres
Esgotamento cresce no fim do ano entre mulheres, que acumulam trabalho pago e doméstico; dados mostram impacto na saúde mental e no desempenho profissional
O esgotamento de mulheres ganha força no fim do ano. Enquanto dezembro concentra avaliações, metas e entregas no trabalho, o período amplia tarefas domésticas e responsabilidades emocionais. A soma dessas jornadas ajuda a explicar por que o mês se torna um ponto crítico para a saúde mental feminina.
Além disso, os números mostram a dimensão do problema. Dados do IBGE indicam que mulheres dedicam 21,3 horas semanais a cuidados e tarefas domésticas, contra 11,7 horas dos homens. Já a Oxfam Brasil aponta que 85% do trabalho de cuidado no país recai sobre mulheres, em geral sem remuneração.
Ao mesmo tempo, raça e renda ampliam a desigualdade. Mulheres pretas ou pardas gastam, em média, 1,6 hora a mais por semana nessas atividades do que mulheres brancas. Entre as de menor renda, a carga semanal cresce 7,3 horas em relação às de maior renda, segundo o IBGE.
Essa pressão aparece de forma concreta no relato de Mariana Rocha, ex-assistente de vendas de uma multinacional francesa. Em dezembro, ela vivia sob cobranças profissionais e domésticas. “A avaliação individual definia bônus e aumentos, enquanto em casa começava outra jornada, com organização da ceia e gestão de expectativas”, conta.
O depoimento ajuda a entender como o esgotamento se instala. Jornadas longas, expectativas sociais e a ideia de que mulheres devem dar conta de tudo operam juntas, sem pausas claras entre trabalho e vida pessoal.
Saúde mental em alerta
Em seguida, os efeitos aparecem nos afastamentos. Em 2024, o Brasil registrou cerca de 472 mil licenças por transtornos mentais, um aumento de 68% em um ano, segundo o Ministério da Previdência Social. As mulheres responderam por 63,8% dos casos.
Para Ana Tomazelli, psicanalista e presidente do Instituto de Pesquisa e Estudos do Feminino, dezembro funciona como gatilho emocional. “Além das tarefas visíveis, existe a carga mental de antecipar problemas e gerenciar expectativas. Isso adoece de forma silenciosa”, afirma.
Entre mulheres em cargos de liderança, o quadro é mais intenso. Levantamento da Telavita mostra que 66,67% das profissionais em alta gestão apresentam burnout completo, enquanto 16,67% relatam esgotamento.
Impacto nas empresas
Na sequência, o tema deixa de ser apenas individual. Pesquisa global da Deloitte aponta que 53% das mulheres relatam mais estresse do que no ano anterior, e quase metade se sente esgotada. Ignorar essa realidade afeta retenção, engajamento e produtividade.
A carga total de trabalho feminino, somando atividades remuneradas e não remuneradas, chega a 54,4 horas semanais. Entre homens, o total é de 52,1 horas. Assim, muitas mulheres iniciam o expediente corporativo já com desgaste acumulado.
Esse cenário se agrava em dezembro. Dados da International Stress Management Association indicam que 75% das pessoas ficam mais irritadas, 70% mais ansiosas, 80% sentem mais tensão corporal e 38% têm dificuldade para dormir no período. Quando isso se soma à rotina feminina, o risco de esgotamento aumenta.
Medidas para reduzir o esgotamento
Diante disso, lideranças podem agir de forma imediata. Segundo Ana Tomazelli, algumas medidas ajudam a reduzir a pressão no fim do ano e têm impacto direto no esgotamento:
-
Ajustar metas do último trimestre, evitando concentração de entregas nas semanas finais.
-
Definir limites claros de comunicação, com horários sem reuniões e menos mensagens fora do expediente.
-
Oferecer suporte psicológico e espaços de escuta no ambiente corporativo.
-
Flexibilizar horários e permitir trabalho híbrido durante o período.
-
Revisar a divisão de tarefas nos times para evitar sobrecarga recorrente.
-
Garantir previsibilidade das demandas e reconhecimento das entregas ao longo do ano.
Essas ações ajudam a lidar com o esgotamento que se intensifica no fim do ano e reduzem riscos para a saúde mental e para os resultados das empresas.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.
Leia também
Você já ouviu falar em Rust Out? Não é burnout
Por Do Micro ao Macro
Licença paternidade estendida pode reduzir casos de depressão e burnout materno
Por Do Micro ao Macro



