Opinião
Basta andar
Um estudo publicado no British Journal of Sports Medicine mostra a relação direta entre o número de passos diários e a prevalência de doenças cardiovasculares
Houve um tempo em que, aos mais velhos, os médicos recomendavam fazer repouso. Partiam do princípio de que o movimento desviava energia dos órgãos internos, especialmente do sistema cardiovascular.
Nada mais equivocado. Sabemos hoje que o corpo humano é uma máquina que se aprimora com o movimento. Andar é uma atividade física praticada desde que os primeiros hominídeos desceram das árvores nas savanas da África. As estimativas são de que nas sociedades de caçadores-coletores mulheres e homens eram obrigados a dar, em média, de 15 mil a 20 mil passos por dia.
O progresso que trouxe a industrialização e a informática criou a possibilidade de ganharmos a vida sentados, pela primeira vez na história da humanidade. O número de passos diários caiu vertiginosamente.
O British Journal of Sports Medicine publicou um estudo com 13.547 mulheres, com média de 71,8 anos, em que foi estudada a relação existente entre o número de passos diários e a prevalência de doenças cardiovasculares (CVs) e da mortalidade geral.
Com o emprego de acelerômetros os passos das participantes foram monitorados por sete dias consecutivos, no período de 2011 e 2015. Todas foram acompanhadas até 2024.
De acordo com o número de dias por semana, elas foram divididas em cinco grupos: 1. Até 4 mil passos; 2. Entre 4 mil e 5 mil; 3. Entre 5 mil e 6 mil; 4. Entre 6 mil e 7 mil; 5. Acima de 7 mil.
Em números arredondados, depois de um seguimento médio de 11 anos, 13% das mulheres tinham falecido e 5% desenvolvido doenças CVs. As que haviam dado acima de 4 mil passos um ou dois dias por semana, apresentaram mortalidade 26% mais baixa que as sedentárias, com nenhuma atividade física durante a semana. Nas que o fizeram três ou mais vezes por semana, essa redução subiu para 40%.
No mesmo grupo, dar mais que 4 mil passos pelo menos uma vez por semana, já bastou para reduzir 27% do risco de desenvolver doenças CVs.
Daí em diante, nas que ultrapassaram 5 mil, 6 mil ou 7 mil passos diários os ganhos de sobrevida e de redução de problemas CVs foram mais modestos.
A conclusão dos autores é a de que mulheres mais velhas que conseguem dar 4 mil ou mais passos pelo menos uma ou duas vezes por semana reduzem o risco de morte e a probabilidade de eventos cardiovasculares. Nas que ultrapassam esses níveis os resultados são ainda melhores.
Embora o número de passos diários guarde relação inversa com a mortalidade e com as doenças CVs, isto é, quanto mais passos mais baixo o risco, o estudo não permite concluir quantos dias por semana uma mulher com idade ao redor de 70 anos deve andar, para obter a redução máxima de risco.
Os números sugerem que o total de passos diários é mais importante do que a frequência semanal deles. Por exemplo, dar 10 mil passos num dia ou 2,5 mil quatro vezes por semana não faz diferença.
Como o estudo não quantificou a velocidade dos passos de cada participante, não há como diferenciar se eles foram dados mais depressa, mais devagar ou correndo. No entanto, é animador saber que basta andar para reduzir mortalidade e doença CV.
Estudos anteriores que examinaram a associação entre esses eventos e o número de passos mostraram que o platô só era atingido entre 7 mil e 9 mil passos por dia, dependendo do grupo populacional. É muito bom saber que resultados semelhantes podem ser obtidos com esforços mais modestos.
Resultados parecidos têm sido encontrados quando é feito o mesmo tipo de comparação em pessoas que praticam atividades físicas mais vigorosas, como correr. As vantagens de correr 10 quilômetros de uma única vez são praticamente as mesmas de fazê-lo em três ou quatro vezes.
O estudo apresenta algumas limitações: 1. Não analisou o impacto de quem deu menos de 4 mil passos por dia, assim ficamos sem saber se 2 mil ou 3 mil não seriam suficientes. 2. Foi baseado nos dados do acelerômetro colhidos diariamente, apenas numa semana. 3. As participantes eram mulheres com pelo menos 62 anos, predominantemente norte-americanas brancas, de nível socioeconômico mais alto do que o da média da população do país.
Se aplicados os mesmos critérios para pessoas mais pobres, os resultados seriam iguais?
No entanto, essas limitações não comprometem as conclusões acima. Agora, se você não consegue atingir sequer a marca dos 4 mil passos, lembre que qualquer número é melhor que zero. •
Publicado na edição n° 1393 de CartaCapital, em 24 de dezembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Basta andar’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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