Política
PF mira o ‘andar de cima’ e avança sobre políticos e financiadores do crime
Não é o ‘preto pobre da favela’ quem mais exige combate quando o assunto é crime organizado, afirma o diretor Andrei Rodrigues
As investigações da Polícia Federal contra o crime organizado têm levado o governo a reiterar, em público, que os poderosos — o “andar de cima” — não estão a salvo. O diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, está afinado com esse discurso, inclusive quando a mira policial se volta para uma categoria específica de poderosos: os políticos.
Não é o “preto pobre da favela” quem mais exige combate quando o assunto é crime organizado, disse Rodrigues a jornalistas durante um café da manhã nesta segunda-feira, 15. “Aqueles que financiam, que têm recursos, que comandam, que são lideranças do crime organizado e que poucas vezes colocaram os pés numa favela” merecem ainda mais atenção, afirmou o delegado.
A operação Carbono Oculto, deflagrada em setembro contra um esquema do PCC com tentáculos na Avenida Faria Lima, tornou-se um símbolo dessa estratégia de mirar o andar de cima. Neste ano, as investidas da PF contra o crime organizado resultaram no bloqueio judicial de 9,6 bilhões de reais, um aumento de 50% em relação a 2024.
Outra frente é a Operação Transparência, realizada em 12 de dezembro, que atingiu a classe política. A PF vasculhou endereços e pertences de uma ex-assessora do deputado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara entre 2021 e 2024. Mariângela Fialek, conhecida como Tuca, é apontada pela polícia como cumpridora de ordens de Lira no esquema do chamado “orçamento secreto” — modalidade de emenda parlamentar declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 2022.
Segundo Rodrigues, Tuca é uma “pessoa relevante” para “descortinar” o destino dos recursos das emendas parlamentares. “A Polícia Federal não olha a estatura política dos investigados”, disse. “Precisamos esclarecer se houve desvio de verba lá na ponta, na execução, e isso é plausível.”
Em 13 de dezembro, a corporação deu mais um passo numa investigação de impacto sobre Brasília: o esclarecimento da fuga para o exterior do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), condenado a 16 anos de prisão por tentativa de golpe no mesmo processo que condenou Jair Bolsonaro.
Um homem preso no caso, Celso Rodrigo de Mello, é filho de Rodrigo Cataratas, garimpeiro e pré-candidato ao Senado em Roraima. Ele será interrogado pela PF nos próximos dias. Segundo Rodrigues, Ramagem deixou o Brasil por Roraima, cruzou a fronteira com a Guiana por um ponto sem posto de imigração e seguiu de avião para os Estados Unidos a partir de Georgetown.
Eleito deputado pelo Rio de Janeiro, Ramagem voltou ao centro da conversa quando o chefe da PF, ao responder sobre o combate ao crime organizado no estado, fez uma observação que soou como crítica direta — ainda que sem citação nominal — à tentativa do Congresso de reduzir penas para condenados por golpe de Estado, caso de Bolsonaro. “Precisamos de menos condescendência com o crime organizado, menos anistia e mais vigor”, afirmou.
A mesma Câmara dos Deputados que ensaiou aliviar a situação do ex-presidente havia aprovado dias antes uma lei para endurecer punições contra líderes de organizações criminosas. A chamada Lei Antifacção foi proposta por Lula, mas teve sua versão final redigida na Câmara pelo bolsonarista Guilherme Derrite (PP-SP). O Senado tenta agora resgatar pontos centrais do texto original, desfigurados na tramitação inicial.
Para Rodrigues, era difícil identificar “o verdadeiro objetivo” da versão aprovada pelos deputados. No Senado, disse, “distorções foram corrigidas”. O texto ainda aguarda votação.
O fortalecimento do arsenal do crime organizado é atribuído, em parte, à política pró-armas do governo Bolsonaro. Durante seu mandato, houve facilitação na compra de fuzis pelos chamados CACs — colecionadores, atiradores desportivos e caçadores.
Desde julho de 2025, o controle dos CACs passou do Exército para a Polícia Federal. Hoje, a PF contabiliza cerca de 1 milhão de pessoas registradas nessa categoria e 1,5 milhão de armas em sua posse. O arsenal, no entanto, está concentrado: apenas 300 mil pessoas detêm armas — 70% dos CACs não possuem nenhuma.
Entre 2020 e 2022, no governo Bolsonaro, os sistemas hoje administrados pela PF registraram 1,1 milhão de armas. De 2023 a 2025, já sob Lula, foram 240 mil — uma queda de cerca de 80%.
Os registros das armas deverão ser renovados em julho de 2026. A PF promete analisar cada pedido “com lupa”. Em outubro, a corporação realizou a primeira audiência pública de sua história, dedicada justamente ao controle de armas legalizadas.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.


